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A microbiota intestinal exerce papéis cruciais na saúde humana. Auxílio na digestão, efeitos na imunidade e na homeostase metabólica são apenas alguns exemplos. O fato é: a depender das características desta comunidade, como diversidade e espécies habitantes, os efeitos podem ser positivos ou negativos.
Nesse sentido, diversos fatores afetam a qualidade do microbioma, e o tipo de dieta é um deles. Recentemente, um novo estudo buscou entender a influência do jejum na microbiota intestinal, em relação à sua composição taxonômica.
Será que os efeitos foram benéficos? Descubra a seguir.
Metodologia: tipos de jejum
Para entender os efeitos do jejum no microbioma humano, a revisão narrativa reuniu dados de 43 artigos científicos recentes (publicados entre 2015 a 2023), originalmente em inglês. Destes, 26 artigos se referiam a dados clínicos (pesquisas em humanos).
Diferentes formas de jejuns foram incluídas na pesquisa, incluindo os descritos na tabela abaixo.
Tipo de jejum | Descrição |
Jejum com restrição de tempo ou jejum intermitente | Método 16:8 – jejum de 16 horas por dia e realização de todas as refeições dentro de uma janela de 8 horas |
Jejum do Ramadã | Jejum do nascer ao pôr do sol durante um mês, para fins religiosos |
Comer-parar-comer | Jejum de 24 horas, uma ou duas vezes por semana |
Jejum semanal (método 5:2) | Alimentação irrestrita durante cinco dias da semana e restrição de calorias (geralmente de 500 a 600 kcal/dia) por dois dias não consecutivos |
Jejum em dias alternados | Alternar entre dias sem restrição alimentar e dias em que a ingestão de alimentos é severamente restrita (<500 kcal/dia) |
Jejum e microbiota intestinal: resultados positivos na composição taxonômica
Após a análise dos resultados, os pesquisadores encontraram alterações interessantes na microbiota intestinal, promovidas por regimes de jejum alimentar.
A alteração mais frequente foi o enriquecimento de Faecalibacterium prausnitzii, membro do filo Firmicutes, relatado por cinco estudos.
A F. prausnitzii é uma bactéria conhecida por produzir ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), com efeitos benéficos em diferentes processos fisiológicos. Além disso, a espécie também exibe efeitos positivos ao produzir moléculas anti-inflamatórias e modular a barreira do muco intestinal.
Outros produtores de AGCCs, como o Butyricicoccus pullicaecorum, também aumentaram sua abundância durante o jejum.
Em alguns ensaios clínicos, a quantidade de Akkermansia muciniphila aumentou em programas de jejum. Além de produzir AGCCs, a Akkermansia muciniphila está inversamente correlacionado com o peso corporal, e diretamente correlacionado com a perda de peso em pacientes obesos, e melhorias em indicadores cardiometabólicos. Entretanto, este resultado não foi observado de forma consistente.
Outros resultados em geral positivos, mas inconsistentes, foram notados a partir do jejum:
- Maior diversidade alfa intestinal;
- Aumento na abundância do gênero Alisipes;
- Aumento de Bacteroides no jejum e diminuição na realimentação;
- Aumento de bactérias produtoras de butirato (como Ruminococcaceae ou Lachnospiraceae);
- Enriquecimento da população de Parabacteriodes.
Jejum e microbiota intestinal: efeitos pró-longevidade
Embora não tenha sido o foco da revisão, muitos artigos relataram a neutralização do envelhecimento como um efeito benéfico promovido pelos regimes de jejum.
Nos humanos, o envelhecimento está associado a uma diminuição de Bifidobacteria, Ruminococcaceae, Lachnospiraceae e Bacteridaceae.
Ao mesmo tempo, indivíduos de vida extremamente longa exibem um aumento em vários táxons benéficos, particularmente Akkermansia, Bifidobacterium e Christensenellaceae, considerados uma “assinatura de longevidade”.
Portanto, os impactos positivos na Akkermansia muciniphila, em Ruminococcaceae ou Lachnospiraceae, observado em algumas pesquisas, foram destacados como um provável efeito benéfico do jejum, apoiando a longevidade.
Limitações dos resultados
Apesar dos resultados animadores, é necessário cautela na hora de interpretá-los e transferi-los para a prática clínica.
Como pontuado pelos autores, os dados disponíveis ainda são insuficientes para estabelecer um padrão típico de alterações da microbiota intestinal induzidas pelo jejum.
Além disso, as pesquisas incluídas apresentaram limitações importantes, como a heterogeneidade das abordagens dietéticas, a variabilidade da linha de base da microbiota, e a ausência de fatores de confusão e grupo controle.
Ademais, o jejum não é uma prática isenta de riscos, como o desenvolvimento de transtornos alimentares, perturbação do ciclo circadiano e a diminuição da testosterona e do índice de andrógenos livres entre os homens.
Por fim, os benefícios atribuídos ao jejum podem ser advindos da diminuição do consumo energético promovido por essa estratégia, que também é obtido com práticas menos agressivas e com melhor adesão.
O que podemos concluir?
Em geral, diferentes tipos de jejuns promoveram mudanças benéficas na composição da microbiota intestinal de humanos, mas os dados ainda são inconclusivos.
Segundo os cientistas, são necessários mais estudos para identificar as alterações duradouras da microbiota que poderiam ser utilizadas para uma intervenção dietética direcionada e personalizada.
Enquanto isso não acontece, a prioridade dos profissionais de saúde deve continuar sendo uma alimentação saudável, restrição calórica e perda de peso gradual, caso necessário.
Para ler o artigo completo, clique aqui.
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Referência:
Purdel C, Margină D, Adam-Dima I, Ungurianu A. The Beneficial Effects of Dietary Interventions on Gut Microbiota—An Up-to-Date Critical Review and Future Perspectives. Nutrients. 2023; 15(23):5005. https://doi.org/10.3390/nu15235005