Rins: órgãos críticos para orientar a terapia nutricional em UTI

Rins: órgãos críticos para orientar a terapia nutricional em UTI

Rins
Fonte: Canva

A maioria das pesquisas científicas sobre nutrição em pacientes críticos não apresenta resultados conclusivos. No entanto, um padrão consistente está presente: durante a fase aguda e em períodos instáveis da doença, uma nutrição inadequada pode prejudicar os rins, provocar ou agravar a lesão renal aguda (LRA), e/ou aumentar a necessidade de terapia renal substitutiva (TRS).

Sendo assim, parece que o rim é um sistema orgânico crítico para ajustar o suporte nutricional na doença grave.

Uma nova revisão científica reuniu dados de diversas pesquisas sobre como o estado renal pode orientar a terapia nutricional em pacientes críticos, abordando aspectos como ingestão energética e aporte proteico. Confira os principais achados a seguir.

Ingestão energética

De acordo com os achados dos pesquisadores, uma alta ingestão de energia durante a fase aguda inicial da doença crítica pode ser prejudicial, pois além de causar vários outros efeitos colaterais e complicações graves, também pode induzir lesões renais.

Por outro lado, estudos demonstraram que a restrição calórica antes de um insulto renal é uma medida que protege o rim em experimentos com animais, e potencialmente também em humanos. Entretanto, isso diz respeito ao período de tempo anterior à lesão renal e não reflete a situação metabólica e o manejo nutricional do paciente em terapia intensiva.

De fato, em uma meta-análise com foco na questão de “maior versus menor ingestão energética” identificou 5 estudos relatando desfechos renais, e chegou à conclusão de que uma menor ingestão energética em pacientes de terapia intensiva está associada a um risco reduzido de desenvolver LRA. Se essa vantagem é limitada apenas à fase aguda inicial da doença, os pesquisadores não puderam responder. 

Glicose e insulina

Um ponto muito debatido em relação à terapia renal e nutricional em geral é a hiperglicemia, pois esse estado prejudica a estrutura e a função endotelial, promove inflamação e pode aumentar/desencadear danos renais.

Um grande ensaio clínico randomizado (ECR) demonstrou um efeito benéfico da redução das concentrações de açúcar no sangue, mas este efeito não pode ser comprovado em todos os estudos de acompanhamento. 

De qualquer forma, em outra pesquisa recente sobre sobre terapia intensiva de insulina para atingir normoglicemia em pacientes graves, pacientes normoglicêmicos tiveram uma menor mortalidade em 90 dias para diagnóstico neurológico/neurocirúrgico. Além disso, a taxa de LRA e a necessidade de TRS foi menor nos grupos de glicemia mais baixa.

Fica a pergunta: o que de fato exerce um efeito neuroprotetor, a redução de açúcar no sangue ou a infusão mais alta de insulina? Embora os achados sejam controversos, os autores afirmam que, tanto uma redução da carga de glicose e/ou evitar a hiperglicemia – em vez de uma dose maior de insulina – pode ajudar a evitar lesões renais durante a terapia nutricional.

Embora a importância de reduzir a hiperglicemia na prevenção da disfunção renal tenha sido desafiada, todas as sociedades de saúde relevantes fizeram uma forte recomendação para reduzir a glicemia em pacientes de cuidados agudos a < 180 mg/dl (10 mmol/l).

Como a concentração de açúcar no sangue flutua ao longo do dia, alguns grupos recomendam um valor-alvo de 150 mg/dl para permanecer com segurança abaixo de 180 mg/dl ao longo do tempo.

Ingestão proteica

A ingestão de proteínas ou aminoácidos em relação à função renal é um ponto controverso. Em rins saudáveis, uma alta ingestão leva a um aumento na perfusão renal e na filtração glomerular, o que é conhecido como “capacidade de reserva renal”. Não se sabe ao certo se essa reação pode ser explorada para prevenir a lesão renal aguda, por exemplo. 

Em um grande ECR recente, o risco de desenvolvimento de LRA em estágio 1 e 3 foi significativamente reduzido no grupo com 2g/kg/dia de aminoácidos (ao invés de placebo). Entretanto, os participantes tinham a função renal normal. 

Já em pacientes com função renal prejudicada, a alta ingestão proteica e de aminoácidos pode agravar as lesões renais. No estudo EFFORT, a ingestão proteica mais alta (1,6 vs. 0,9 g/kg/dia) acarretou um aumento de mortalidade em pacientes com LRA e naqueles com alta pontuação de falência de órgãos.

Em resumo, os autores afirmam que a ingestão ideal de proteína ou aminoácido depende do estágio da lesão renal. No caso de função renal normal e possivelmente também no 1º estágio da LRA, uma ingestão maior poderia ter um efeito protetor, embora as evidências atuais certamente não permitam uma recomendação geral. 

Já em estágios mais avançados, uma ingestão menor é orientada, a fim de evitar o agravamento da lesão renal.

Como esta é uma discussão em andamento, atualmente não há recomendações claras sobre a dose ideal de proteína nesses estágios instáveis ​​de doença crítica – um máximo de 0,3 a 0,6 g/kg/dia é cogitado, mas sem certezas. 

Em pacientes com LRA estável em TRS, de acordo com as recomendações internacionais, uma ingestão maior de proteína (1,2 a 1,5 g/kg/dia) pode compensar as perdas de aminoácidos, embora faltem evidências sólidas.

Implicações para a prática clínica

Segundo os cientistas, quando os rins estão saudáveis ​​e/ou em risco, tudo se resume à prevenção, por meio da qual uma ampla variedade de fatores metabólicos/nutricionais deve ser levada em consideração. 

Em LRA estágios 2 e 3 sem TRS, o objetivo é mitigar e não agravar esse dano por terapia nutricional excessiva (ingestão de energia, ingestão de proteína, ingestão de glicose/hiperglicemia). Já quando a TRS se torna necessária, torna-se uma questão de garantir nutrição suficiente e compensar as perdas relacionadas à terapia.

Um acúmulo precoce de nutrição completa (isocalórica) durante a fase aguda da doença crítica associa-se a uma gama de efeitos colaterais negativos sérios, além de suprimir a autofagia e a cetogênese. O início da nutrição em uma dose baixa e um aumento individualizado da ingestão é a prática mais aceita.

Infelizmente, ainda não existem bons indicadores deste acúmulo. Faz-se necessário considerar:

  • Situação hemodinâmica (necessidade de vasopressor, concentração de lactato no sangue)
  • Tolerância gastrointestinal (no caso de nutrição enteral)
  • Fatores metabólicos (necessidades de insulina e concentrações plasmáticas de fosfato)
  • Função renal (creatinina sérica, ureia plasmática, débito urinário…)

Por isso, um monitoramento rigoroso na fase aguda e durante situações instáveis ​​é obrigatório.

Conclusão

Em conclusão, os rins são órgãos que desempenham um papel crucial na orientação da terapia nutricional em pacientes críticos. 

Um suporte nutricional excessivo, tanto na fase aguda quanto em fases instáveis da doença, pode causar ou agravar a lesão renal aguda, além de aumentar a necessidade de terapia de substituição renal – que, de outra forma, poderia ser evitada. 

Portanto, é essencial monitorar rigorosamente a função renal durante esses períodos e ajustar a nutrição de maneira cuidadosa. Tanto a restrição calórica quanto o controle da glicose e da ingestão de proteínas devem ser ajustados conforme o estado renal e as fases da doença. Assim, garante-se que o tratamento não prejudique os rins e contribua para a recuperação do paciente.

Para ler a pesquisa completa, clique aqui.

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Referência:

Druml W, Staudinger T, Joannidis M. The kidney: the critical organ system for guiding nutrition therapy in the ICU-patient? Crit Care. 2024 Aug 7;28(1):266. doi: 10.1186/s13054-024-05052-5. PMID: 39113139; PMCID: PMC11308729.

Pós-graduação de Nutrição Clínica

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