Ferro lábil: o novo alvo terapêutico para pacientes críticos

Ferro lábil: o novo alvo terapêutico para pacientes críticos

ferro lábil
Fonte: Canva.com

Todos sabemos que o ferro é um micronutriente essencial para a saúde humana. Entretanto, no organismo, há uma fração menos conhecida e potencialmente mais perigosa deste elemento: o ferro lábil.

No artigo de hoje, você vai  entender qual é a situação do ferro em pacientes graves, o que é ferro lábil, e como ele pode ser prejudicial para pacientes críticos. Confira a seguir.

Status de ferro em pacientes críticos

A anemia pode afetar até 40% dos pacientes críticos. Nesse contexto, existem dois tipos principais de anemia na UTI:

  • Anemia por deficiência de ferro: depleção total de ferro, devido a fatores como repetidas coletas ou perdas de sangue.
  • Anemia de inflamação (AI): deficiência funcional de ferro, marcada pela redução nos níveis séricos de ferro, mas com níveis normais ou elevados de ferritina.

Ao contrário da anemia por deficiência de ferro, a AI não envolve uma redução nas reservas deste micronutriente, mas sim a sua preservação dentro dos macrófagos que reciclam ferro. Ou seja, é um distúrbio da distribuição de ferro.

Apesar de uma importante prevalência de anemia na UTI, a desregulação da homeostase do ferro, levando à liberação de ferro lábil na corrente sanguínea, também vêm sendo observada em pacientes gravemente enfermos. Tal processo é causado, principalmente, por:

  • Hemólise dos glóbulos vermelhos
  • Rabdomiólise (lesão muscular grave)
  • Lesão de isquemia/reperfusão
  • Morte de células hepáticas
  • Morte celular devido a infecção

Mas afinal…

O que é ferro lábil?

Ao contrário da maior parte de ferro do organismo, o ferro lábil é uma fração deste nutriente que não está ligada a proteínas como a hemoglobina, a transferrina, ferritina ou hemossiderina, responsáveis pela regulação do ferro no corpo humano. 

Ao invés disso, o ferro lábil inclui o ferro que está ligado a outras substâncias, como albumina, citrato, acetato, aminoácidos e outros ligantes de baixa afinidade. Ele também é conhecido como “ferro catalítico”, “ferro livre” ou “fracamente ligado”. 

Essa fração de ferro pode ser facilmente utilizada em processos bioquímicos, e desempenha papéis importantes em várias vias metabólicas. No entanto, seu excesso pode ser maléfico, como veremos a seguir.

Efeitos prejudiciais do ferro lábil

Em pessoas saudáveis, a transferrina (proteína responsável pelo transporte de ferro no sangue) não está completamente carregada com ferro, o que ajuda o corpo a eliminar o excesso de ferro lábil. Em termos clínicos, se diz que o índice de saturação de transferrina é relativamente baixo (30 a 35%).

No entanto, em condições onde há excesso de ferro, mais transferrina fica carregada de ferro, resultando em menos eliminação do ferro lábil. Isso leva a uma quantidade considerável de ferro lábil no plasma sanguíneo, em cerca de 1 a 10 µM.

Mas por que isso é ruim?

O ferro lábil em excesso pode acarretar diversas consequências prejudiciais, tais como:

Estresse oxidativo: o ferro lábil aumenta a produção de espécies reativas de oxigênio (ERO), gerando estresse oxidativo, degradação do DNA, peroxidação lipídica e ferroptose (morte celular dependente de ferro).

Aumento do risco de infecções: o desenvolvimento bacteriano patogênico é fortemente dependente da presença de ferro. Assim, o excesso de ferro lábil leva à proliferação de patógenos, induzindo as infecções.

Estado pró-inflamatório: o ferro lábil influencia a polarização dos macrófagos, do fenótipo M2 (anti-inflamatório) para o fenótipo M1 (pró-inflamatório). O acúmulo de ferro em macrófagos M1 pode levar ao estado pró-inflamatório persistente, observado em doenças crônicas e autoimunes.

Todos esses processos podem gerar problemas graves para pacientes críticos. De fato, cada vez mais estudos apontam a estreita relação entre o excesso de ferro e desfechos clínicos prejudiciais.

Elevados níveis de ferro geram resultados ruins na UTI

Na literatura científica, o aumento do ferro sérico ou saturação de transferrina em pacientes críticos vêm sendo associado a:

Os rins frequentemente suportam o peso do excesso de ferro, e a presença de ferro lábil excessivo na insuficiência renal pode induzir falência de múltiplos órgãos, levando a um mau prognóstico e alta mortalidade.

De fato, em um estudo envolvendo 483 pacientes de UTI com LRA, níveis séricos de ferro acima de 60 µg·dL-1 foram associados a maior mortalidade em 28 e 90 dias.

Estratégias terapêuticas para excesso de ferro lábil

Considerando os perigos dos altos níveis de ferro lábil, ele se torna um alvo terapêutico crucial para melhorar os resultados clínicos em pacientes críticos.

Para isso, algumas estratégias incluem:

  1. Terapia de quelação de ferro: Os agentes clássicos de quelação de ferro, como DFO, deferiprona e deferasirox, são promissores. Entretanto, seu uso na UTI é limitado, por conta dos efeitos secundários. Novos agentes quelantes de ferro, incluindo polímeros quelantes, ainda precisam provar sua eficácia. 
  2. Administrar proteínas do metabolismo do ferro: a administração de proteínas como hepcidina e haptoglobina tem o potencial de restaurar a homeostase de ferro, surgindo como uma solução alternativa aos quelantes. Contudo, tal abordagem ainda está nos estágios iniciais de desenvolvimento. 
  3. Combinar terapia renal substitutiva e quelação de ferro: o uso de um polímero quelante à base de quitosana, em combinação com a hemodiálise, é uma opção terapêutica não invasiva para extração de ferro (em pacientes com lesão renal).  Ensaios clínicos são necessários para validar a eficácia desta estratégia.

Conclusão

Em suma, novas evidências apontam o ferro lábil como um importante alvo terapêutico em pacientes críticos, dada sua associação com complicações graves e pior prognóstico. 

Estratégias terapêuticas, oferecem promessas significativas, mas podem causar efeitos secundários ou exigem validação clínica adicional para eficácia e segurança. 

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Referência

Grange, C., Lux, F., Brichart, T. et al. Iron as an emerging therapeutic target in critically ill patients. Crit Care 27, 475 (2023). https://doi.org/10.1186/s13054-023-04759-1

Pós-graduação de Nutrição Clínica

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