Sobrecarga de fluidos: fator de risco no pós-operatório de cirurgia cardíaca

Sobrecarga de fluidos: fator de risco no pós-operatório de cirurgia cardíaca

sobrecarga de fluidos
Fonte: Canva.com

Você já ouviu falar que 70% do corpo humano é composto de água, correto? De fato, o estado de hidratação de um indivíduo saudável varia entre 69% a 73%, que se divide entre os espaços intra e extracelulares.

Entretanto, em processos de doenças, pode-se haver um acúmulo de água nos compartimentos extracelulares, incluindo líquido intersticial e plasma. Assim, a sobrecarga de fluidos entra em cena.

Em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, a sobrecarga de fluidos é uma consequência já esperada. Contudo, a avaliação do estado de hidratação em pacientes críticos ainda é desafiadora, com técnicas inalcançáveis na prática clínica diária.

Para superar essas dificuldades, uma nova pesquisa avaliou o estado de hidratação de pacientes no pós-cirúrgico utilizando um método alternativo, além de investigar os impactos nos desfechos clínicos. Confira detalhes a seguir.

Estado de hidratação pela técnica BIVA

Neste recente estudo observacional prospectivo, 130 pacientes adultos submetidos à cirurgia cardíaca foram analisados. 

Para avaliar o estado de hidratação destes pacientes, empregou-se a técnica BIVA (análise vetorial de impedância bioelétrica). Neste método, os dados da bioimpedância elétrica são representados graficamente para fornecer informações sobre a composição corporal e o estado de hidratação do indivíduo. 

Ao total, foram 6 medições de BIVA, uma antes da cirurgia (valor basal) e outras cinco nos 4 dias subsequentes.

Infelizmente, a BIVA não permite distinguir, dentro do compartimento de água extracelular, entre água intravascular (volume plasmático) e intersticial (edema tecidual). Para superar esse limite, houve o rastreamento diário das alterações na osmolaridade plasmática

Outras variáveis coletadas incluíram hemograma, creatinina, ureia, proteína C reativa (PCR), pressão venosa central (PVC), pressão média da artéria pulmonar (PAMP), dentre outras.

Sobrecarga de fluidos levou a desfechos negativos

Em comparação com o valor basal, os pesquisadores encontraram uma redução significativa da impedância no primeiro dia de pós-operatório, demonstrando sobrecarga hídrica relevante. O quadro de sobrecarga de fluidos continuou ao longo do tempo, apesar da administração de diuréticos.

No primeiro dia de pós-operatório, a maior sobrecarga de fluidos se associou a desfechos negativos, sendo estes:

  • Maior tempo de permanência em ventilação mecânica (7,4 vezes);
  • Maior tempo de permanência na UTI (4,7 vezes);
  • Maior tempo de internação hospitalar (5,6 vezes).

Outras pesquisas parecem concordar com este resultados, demonstrando também um maior risco de lesão renal aguda, incidência de complicações infecciosas pós-operatórias, complicações intra-operatórias, hipertensão abdominal, e risco aumentado de mortalidade em até 70%.

Por fim, a coexistência de baixa impedância (portanto, sobrecarga de fluidos) e de alta osmolaridade plasmática aumentou significativamente o risco dos resultados negativos. 

Por que a sobrecarga de fluidos acontece?

Em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, diversos fatores fisiopatológicos contribuem para o deslocamento de fluidos para os espaços intersticiais. Segundo os autores, estes fatores incluem:

  1. Inflamação. A resposta inflamatória sistêmica, devido ao trauma cirúrgico e o uso de circulação extracorpórea, pode comprometer a permeabilidade dos vasos sanguíneos. Assim, há vazamento de água para os espaços entre as células.
  2. Diminuição da albumina. Como uma proteína plasmática, a albumina exerce uma pressão sanguínea crucial para a manutenção do equilíbrio de fluidos entre os vasos sanguíneos e os tecidos circundantes. Entretanto, seus níveis diminuídos reduzem essa pressão coloidosmótica, resultando em expansão dos espaços entre as células e aumento do volume intersticial. 
  3. Degradação aguda do glicocálix endotelial. Esta é uma camada que reveste o interior dos vasos sanguíneos, que, quando degradada, compromete a capacidade de regulação da permeabilidade vascular. Isso favorece o deslocamento de água para fora dos vasos sanguíneos, no espaço extracelular.

Conclusão

Em resumo, pacientes que passam por cirurgia cardíaca experienciam uma sobrecarga de fluidos, com resultados clínicos negativos (maior tempo de UTI, internação e ventilação mecânica). 

Essa sobrecarga  apresenta uma tendência muito lenta de restauração da condição basal, e deve ser monitorada de perto pelos profissionais responsáveis.

Para ler o artigo científico completo, clique aqui.

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Referência:

Sanson, G., Doriguzzi, L., Garbari, P., Ruggiero, M. J., Valentinuzzo, I., Mettulio, T., … & Fabiani, A. (2024). The severity of early fluid overload assessed by bioelectrical vector impedance as an independent risk factor for longer patient care after cardiac surgery. Clinical Nutrition.

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