Conteúdo

A implementação dos protocolos de recuperação aprimorada transformou o cuidado perioperatório em cirurgias ortopédicas, trazendo práticas padronizadas, seguras e baseadas em evidências.
Ainda assim, muitos pacientes cirúrgicos apresentam necessidades nutricionais específicas que não são contempladas pelos protocolos tradicionais. Nesse contexto, a nutrição personalizada emerge como uma ferramenta promissora para tornar o cuidado mais eficaz e equitativo.
Um recente artigo publicado na revista científica Nutrients buscou mapear elementos-chave para implementar um cuidado nutricional verdadeiramente individualizado em pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas. Confira a seguir.
O que é nutrição personalizada?
Nutrição personalizada é a prática de atribuir uma marca pessoal à intervenção dietética, tornando-a individualizada e sob medida para cada paciente. Pode envolver pré-requisitos essenciais definidos pelo profissional de saúde ou pelos recursos disponíveis.
Ademais, a nutrição personalizada é um termo guarda-chuva, que engloba nutrição individualizado, nutrição sob medida, nutrição de precisão, entre outras.
Elementos da nutrição personalizada para a cirurgia ortopédica
O artigo revisado mapeou 15 elementos que devem ser considerados na personalização nutricional em cirurgias ortopédicas. Abaixo, destacam-se os principais:
Composição corporal, idade e sexo
Esses elementos básicos formam a base dos cálculos das necessidades basais, determinando as necessidades energéticas diárias, as proporções de macronutrientes, como carboidratos e proteínas, e a hidratação.
A massa de gordura corporal pode ser um parâmetro mais apropriado do que o peso corporal para o ajuste fino das necessidades basais.
Gasto energético
Assim como para a composição corporal, existem métodos mais apropriados do que equações preditivas para melhor personalizar a estimativa do gasto energético, como a calorimetria indireta para o paciente acamado ou a água duplamente marcada para o indivíduo em vida livre.
Pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas de grande porte podem limitar os movimentos devido à dor antes da cirurgia, enquanto, ao contrário, precisam se alinhar aos objetivos da terapia com exercícios após a cirurgia.
Doença de base e trauma cirúrgico
Ao lidar com pacientes com qualquer período de doença ou condição médica, é necessária uma abordagem personalizada para a intervenção nutricional.
Exemplos de ajustes da terapia nutricional decorrentes da doença são:
- Abstinência alimentar em casos de alergia alimentar
- Suporte alimentar para disfagia
- Suplementos para correção de anemia ferropriva
- Contagem de carboidratos para diabetes mellitus
- Dietas terapêuticas para doenças renais e hepáticas
A nutrição pós-operatória também deve ser personalizada de acordo com as alterações decorrentes da lesão, por exemplo, com aumento da ingestão de proteínas em relação ao habitual para mitigar o catabolismo ou aumento de calorias em caso de febre.
Uso de medicamentos
Os medicamentos podem interferir na dieta em vários níveis, alterando a eficiência nutricional dos alimentos. As interações alimento-fármaco são bidirecionais, visto que os alimentos também alteram a biodisponibilidade dos medicamentos.
Um exemplo bem conhecido é o inibidor da bomba de prótons, que interfere na absorção de ferro.
Além disso, os lipídios da dieta, ao retardar a motilidade gastrointestinal, aumentam o tempo de contato do fármaco com o tecido, o que pode gerar um risco de toxicidade de quimioterápicos em refeições ricas em gordura.
Já as proteínas interagem com precursores de dopamina, como a levodopa, reduzindo a eficácia do fármaco na doença de Parkinson.
Assim, uma dieta personalizada com medicamentos deve ter como objetivo prevenir deficiências nutricionais derivadas dos medicamentos e evitar a descompensação farmacológica.
Outros elementos
Horário e preparo das refeições: o momento do consumo, a ordem dos alimentos e o modo de cocção influenciam respostas glicêmicas e biodisponibilidade.
Preferências, cultura e religião: a aderência à dieta melhora quando o plano respeita gostos, crenças e práticas culturais.
Recursos financeiros e suporte social: restrições econômicas ou ausência de apoio logístico impactam diretamente na viabilidade do plano alimentar.
Aconselhamento e forma de entrega: estratégias como visitas educativas, infográficos, teleatendimento e linguagem acessível facilitam a compreensão e a adesão.
Dados genéticos e microbiota intestinal: ainda em fase inicial, esses fatores podem guiar intervenções mais precisas.
Quais os desafios para aplicar na prática?
Embora a proposta seja promissora, personalizar a nutrição exige tempo, ferramentas adequadas e capacitação profissional.
Tecnologias como inteligência artificial podem ajudar na triagem e adaptação dinâmica do plano alimentar. No entanto, é essencial garantir que essas inovações não substituam o julgamento clínico nem comprometam a confiança do paciente.
Além disso, a personalização precisa ser incorporada de forma equitativa nos sistemas públicos de saúde, evitando ampliar desigualdades já existentes.
O que podemos concluir?
A personalização da nutrição no contexto cirúrgico ortopédico é um passo lógico após a padronização promovida pelos protocolos ERAS.
Ela tem potencial para melhorar desfechos em pacientes com necessidades específicas e reduzir ineficiências no cuidado.
Ainda que desafios logísticos e científicos permaneçam, os autores defendem que retardar essa evolução pode perpetuar iniquidades no acesso ao cuidado nutricional adequado.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
Se você gostou deste conteúdo, leia também:
- Nutrição Personalizada: as orientações dietéticas “sob medida”
- Sobrecarga de fluidos: fator de risco no pós-operatório de cirurgia cardíaca
- Fraqueza adquirida na UTI: efeitos da mobilização e nutrição precoce
Cursos que podem te interessar:
Referência:
Briguglio M, Wainwright TW. Towards Personalised Nutrition in Major Orthopaedic Surgery: Elements of Care Process. Nutrients. 2025 Feb 16;17(4):700. doi: 10.3390/nu17040700. PMID: 40005028; PMCID: PMC11858543.