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Segundo o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos, a alimentação complementar deve ser iniciada a partir dos 6 meses de idade. Entretanto, na literatura científica, pouca ênfase é dada nas implicações da introdução de texturas e pedaços alimentares para neurodesenvolvimento na primeira infância.
Recentemente, um estudo inovador buscou preencher essa lacuna. Confira os detalhes a seguir.
Alimentação complementar: recomendações e sinais
A introdução de alimentos é um elemento importante da nutrição complementar. Geralmente, a partir dos 6 meses, os bebês começam a demonstrar certos sinais de manipulação segura de alimentos texturizados, como mingaus e purês. Esses sinais incluem:
- Sentar-se sem apoio
- Tentativas de autoalimentação
- Capacidade de segurar alimentos
- Movimentos de mastigação
- Habilidades motoras orais e de alimentação
Em todo caso, recomenda-se que até os 8 a 10 meses de idade, os lactentes tenham estabelecido o consumo de alimentos com textura mínima, a partir do fornecimento de alimentos com grumos.
Entretanto, alguns pais ficam relutantes com essa introdução, devido ao medo do engasgo, e atrasam a alimentação complementar. As consequências do atraso envolvem aversão e seletividade alimentar.
Introdução alimentar precoce vs. intermediária vs. tardia
O estudo utilizou dados da coorte nacional Étude Longitudinale Française depuis l’Enfance (ELFE), conduzida na França. Foram incluídas 18.329 famílias, recrutadas em 320 unidades de maternidade na França. O acompanhamento ocorreu aos 1, 2 e 3.5 anos, por meio de entrevistas telefônicas e avaliações.
Os pais relataram as práticas de alimentação complementar. A introdução de pedaços de alimentos foi avaliada mensalmente, e os responsáveis indicaram a frequência de oferta de frutas/vegetais amassados (a partir dos 3 meses) ou pedaços de carne (a partir dos 6 meses).
A introdução alimentar foi definida como o fornecimento ocasional (pelo menos uma vez) de pedaços de frutas/vegetais amassados ou carne, o que ocorresse primeiro.
A introdução de texturas foi categorizada em dois grupos:
- Introdução alimentar precoce – antes dos 8 meses (39,3%)
- Introdução alimentar intermediária – entre 8 e 10 meses (34,3%)
- Introdução alimentar tardia – após 10 meses (26,4%)
As habilidades cognitivas e motoras foram mensuradas por instrumentos validados:
- Inventário de Desenvolvimento Infantil (CDI): avaliação global do desenvolvimento aos 1 e 3.5 anos.
- Inventário de Desenvolvimento Comunicativo MacArthur-Bates (MB-2): medição da aquisição da linguagem aos 2 anos, baseada no número de palavras pronunciadas espontaneamente.
- Semelhanças de Imagens da Escala Britânica de Habilidade (PS-3.5): avaliação do raciocínio não verbal e percepção visual aos 3,5 anos.
Além disso, o Quociente de Desenvolvimento (DQ-3.5) foi utilizado para identificar risco de atraso no desenvolvimento, sendo considerado alto risco um DQ-3.5 < 90.
As associações entre idade de introdução alimentar e neurodesenvolvimento foram analisadas por modelos de regressão linear, enquanto o risco de atraso no desenvolvimento foi avaliado por regressão logística.
A hipótese dos autores é que a introdução tardia de texturas e pedaços de alimentos estaria associada a desfechos desfavoráveis no neurodesenvolvimento, especialmente no desenvolvimento da linguagem, habilidades motoras e cognição.
Introdução alimentar tardia traz desfechos negativos
Os achados do estudo indicam associações consistentes entre a introdução tardia de pedaços alimentares e menores pontuações nos testes de neurodesenvolvimento aos 1, 2 e 3,5 anos.
Em comparação com a introdução precoce, crianças com introdução alimentar tardia apresentaram escores mais baixos em CDI-1, CDI-3.5, MB-2 e DQ-3.5. Além disso, a introdução tardia (após 10 meses) foi associada a um risco maior de atraso no desenvolvimento aos 3,5 anos (DQ-3.5 < 90).
Por outro lado, a introdução intermediária (entre 8 e 10 meses) não esteve associada a um risco aumentado de atraso no desenvolvimento aos 3.5 anos.
Pesquisas anteriores sugerem que a exposição oportuna a pedaços alimentares pode favorecer o desenvolvimento motor oral e, consequentemente, a aquisição da linguagem.
Um estudo indicou que uma abordagem baseada em alimentos familiares inteiros estava relacionada a melhores desfechos linguísticos, possivelmente devido ao desenvolvimento de habilidades motoras associadas à mastigação.
Ainda que o estudo não estabeleça causalidade, a relação temporal entre a introdução alimentar e o neurodesenvolvimento reforça a importância da exposição a texturas variadas na primeira infância.
O que podemos concluir?
Em resumo, a introdução tardia de pedaços de alimentos (> 10 meses) está relacionada a menores pontuações no neurodesenvolvimento.
Embora haja uma base biológica para apoiar tal associação, pesquisas futuras devem incluir uma avaliação mais abrangente e verificar as descobertas, limitando questões com causalidade reversa.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
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Referências:
Somaraki M, de Lauzon-Guillain B, Camier A, Bernard JY, Tafflet M, Dufourg MN, Charles MA, Chabanet C, Tournier C, Nicklaus S. Timing of food pieces introduction and neurodevelopment: findings from a nationwide birth cohort. Int J Behav Nutr Phys Act. 2024 Oct 16;21(1):118. doi: 10.1186/s12966-024-01669-5. PMID: 39415260; PMCID: PMC11481772.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primaria à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2019.