Microbiota intestinal e saúde da mulher: qual é a relação?
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Cada vez mais, as pesquisas estão comprovando que a microbiota intestinal exerce efeitos importantes na saúde humana. Mais recentemente, cientistas relataram um provável papel da microbiota em condições relacionadas à saúde da mulher, como síndrome do ovário policístico e endometriose.
Mas afinal, como a microbiota pode afetar essas condições, e qual seria o tratamento para isso? Um novo artigo científico de revisão buscou as respostas para essas questões. Confira a seguir.
Microbiota intestinal desequilibrada pode influenciar a saúde da mulher
A disbiose da microbiota intestinal tem sido associada à promoção de doenças ginecológicas comuns. Abaixo, entenda os mecanismos que evidenciam essa relação.
Sistema imunológico
A primeira via pelo qual os desequilíbrios da microbiota podem afetar a saúde da mulher é através do sistema imunológico.
Em estudos com animais, demonstrou-se que a disbiose estimulou macrófagos, resultando em aumento dos níveis circulantes de interleucina (IL)-6 e fator de necrose tumoral-α, induzindo o câncer de ovário.
Mudanças disbióticas na microbiota intestinal associam-se ao aumento da permeabilidade intestinal, levando ao aumento da translocação de endotoxinas bacterianas, principalmente lipopolissacarídeos (LPS). A ativação do sistema imunológico inato por meio do LPS aumenta a expressão de citocinas pró-inflamatórias por meio da translocação do fator nuclear κB.
Em resumo, a microbiota intestinal desequilibrada pode promover a resposta inflamatória, afetando assim o início e a progressão de doenças femininas.
Eixo estrogênio
A microbiota intestinal desempenha um papel importante na desconjugação de estrogênio, por meio da secreção bacteriana de β-glucuronidase (GUS).
Essa enzima converte estrogênio conjugado em estrogênio desconjugado no trato gastrointestinal, permitindo que este hormônio se ligue aos seus receptores e exerça seus efeitos fisiológicos.
Com a disbiose, a diminuição da atividade da GUS pode levar à diminuição dos níveis de estrogênio circulante e contribuir para patologias como obesidade e síndrome do ovário policístico (SOP).
Em contraste, o aumento da atividade do GUS pode elevar os níveis de estrogênio, levando a condições como endometriose e câncer.
Uma pesquisa com 26 mulheres saudáveis revelou que aquelas no grupo de alto estradiol abrigavam uma microbiota intestinal mais diversa em comparação aos grupos de baixo e médio estradiol. A queda na concentração sérica de estradiol foi atribuída à superabundância de Slackia e Butyricimonas.
Via metabólica
Por meio da quebra da matéria orgânica, a microbiota intestinal produz metabólitos, como ácidos biliares e ácidos graxos de cadeia curta (incluindo ácido acético, ácido propiônico e ácido butírico).
Em estudo com células suínas, foi demonstrado que o ácido butírico regula a secreção de progesterona e estradiol. Além disso, os AGCCs podem ter propriedades anticâncer no câncer cervical.
Em relação aos ácidos biliares, um estudo revelou que níveis elevados de Bacteroides vulgatus foram observados na microbiota intestinal de indivíduos com SOP, e essa elevação foi acompanhada por níveis reduzidos de ácido glicodesoxicólico e ácido tauroursodesoxicólico.
Sendo assim, pesquisas sugerem que os metabólitos da microbiota intestinal também podem ter influência na saúde da mulher.
Quais as condições ginecológicas se associam à disbiose da microbiota intestinal?
Síndrome do ovário policístico
A síndrome do ovário policístico (SOP) é um distúrbio endócrino prevalente em mulheres, caracterizado por sintomas como anovulação, obesidade, resistência à insulina e hiperandrogenismo.
Uma pesquisa científica apontou que distúrbios na microbiota intestinal, resultantes da dieta, podem levar ao aumento da permeabilidade da mucosa intestinal, com invasão do LPS de bactérias na circulação sistêmica.
Em seguida, a ativação do sistema imunológico interfere na função do receptor de insulina, elevando seus níveis séricos, contribuindo para a interrupção do desenvolvimento normal do folículo.
Outro estudo científico revelou que a riqueza e a diversidade da microbiota intestinal foram menores no grupo de mulheres com obesidade e SOP, em comparação às mulheres obesas sem SOP.
Endometriose
A endometriose é uma doença inflamatória crônica, com presença de tecido endometrial fora do útero. Estudos sugerem que, além dos esteroides ovarianos, o sistema imunológico inato do ambiente pélvico também pode regular o crescimento de lesões ectópicas na endometriose.
Notavelmente, a disbiose da microbiota intestinal associa-se à ocorrência e ao desenvolvimento da endometriose. Um estudo com 28 mulheres demonstrou reduções significativas nos gêneros Sneathia, Barnesella e Gardnerella, nas pacientes com endometriose.
Câncer
A disbiose da microbiota pode impactar a ocorrência e progressão de tumores femininos, a partir da regulação da resposta imune e das vias inflamatórias.
O câncer de mama, por exemplo, é um tumor intimamente ligado aos níveis de estrogênio. Como visto, a microbiota desempenha um papel na desconjugação de estrogênios. Nesse sentido, a ativação dos receptores deste hormônio pode promover a proliferação celular, característica no câncer de mama.
Em uma pesquisa científica, demonstrou-se redução na diversidade da microbiota intestinal, enriquecimento em Firmicutes e depleção em Bacteroidetes em pacientes com câncer de mama. Em outro estudo, pacientes com câncer de mama exibiram uma menor abundância de alguns táxons microbianos.
Além do câncer de mama, uma pesquisa envolvendo câncer cervical revelou diferenças na diversidade α e β entre o grupo de pacientes e o grupo controle.
Por fim, uma investigação científica demonstrou in vitro que a disbiose da microbiota intestinal pode promover o crescimento de células de câncer de ovário e induzir a transição epitelial-mesenquimal.
Diferenças na microbiota de pacientes com condições ginecológicas
A tabela abaixo resume as alterações da microbiota intestinal em condições ginecológicas, já relatadas em pesquisas científicas com humanos.
Doença | Alterações na microbiota intestinal |
SOP |
|
Endometriose |
|
Câncer de mama |
|
Câncer cervical |
|
Câncer de ovário |
|
WANG et al., 2024.
Qual é o tratamento?
Sabendo que a microbiota intestinal desequilibrada pode promover diversas condições da saúde feminina, a sua modulação surge como uma opção de tratamento.
Nesse sentido, intervenções com probióticos e prebióticos mostraram resultados promissores.
Em um estudo prospectivo com 256 mulheres grávidas, a suplementação probiótica resultou em uma incidência reduzida de diabetes mellitus gestacional, além de aliviar a dor da endometriose.
Além disso, a tecnologia de transplante de microbiota fecal também vem ganhando espaço. Entretanto, as pesquisas em condições ginecológicas são limitadas e em animais.
Em uma pesquisa, o tratamento com FMT e Lactobacillus em ratos com SOP melhorou o ciclo estral anormal e diminui a biossíntese de andrógenos. Além disso, a morfologia ovariana normalizou, e a microbiota intestinal demonstrou um aumento em Lactobacillus e Clostridium, e uma diminuição em Prevotella.
O que podemos concluir?
Em suma, existe uma relação intrínseca da microbiota intestinal e saúde da mulher, ao passo que o desequilíbrio microbiano pode contribuir para uma série de condições ginecológicas.
Como resultado, a modulação da microbiota desponta como uma estratégia promissora para o tratamento e a prevenção dessas doenças, embora mais estudos clínicos sejam necessários para validar essas descobertas e garantir sua eficácia na prática clínica.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
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Referência:
Wang MY, Sang LX, Sun SY. Gut microbiota and female health. World J Gastroenterol. 2024 Mar 28;30(12):1655-1662. doi: 10.3748/wjg.v30.i12.1655. PMID: 38617735; PMCID: PMC11008377.