Nutrição enteral pediátrica: percepções dos pais, crianças e profissionais de saúde

nutrição enteral pediátrica
Fonte: Canva

Em UTI’s pediátricas, a desnutrição grave a moderada é uma realidade comum. Nesse sentido, a nutrição enteral é a forma preferencial de fornecer suporte nutricional para crianças gravemente doentes, principalmente através de uma sonda nasogástrica – por ser a mais simples de administrar e poder ser iniciada mais rapidamente.

Recentemente, uma síntese qualitativa de evidências buscou explorar os fatores que influenciam o fornecimento de nutrição enteral pediátrica, com base nas opiniões, atitudes, experiências e comportamentos das diversas partes envolvidas.

No total, foram 14 estudos incluídos. Confira os resultados a seguir.

Percepções de pais e filhos sobre a nutrição enteral

Antes da inserção da sonda

Antes do início da NE, pais e crianças geralmente ficam preocupados com desconforto, dor e outras complicações da alimentação por sonda.

Os pais se preocupam com o caráter invasivo da intervenção, e as consequências negativas a longo prazo, como o medo que as crianças não cresçam e se desenvolvam normalmente. Também se preocupam com a possibilidade de seus filhos morrerem ou não se recuperarem de doenças se não receberem a nutrição enteral.

A ansiedade pareceu estar relacionada principalmente à falta de conhecimento e experiência com alimentação enteral. Um dos estudos citou uma mãe que considerou a nutrição enteral como “antinatural”:

“É apenas meu pressentimento que deve haver uma razão pela qual, quando estamos doentes, não queremos comer… mas não faria sentido que, se nosso corpo não quer comer, não precisamos de comida?”.

Durante a inserção da sonda

Nos casos em que os pais estão presentes durante a inserção da sonda, alguns acham o procedimento difícil de assistir, e se sentem mal ao contribuírem para a dor e o desconforto do filho:

“Comecei a chorar, não conseguia acreditar que tinha acabado de fazer aquilo com o meu filho.” 

Profissionais de saúde concordaram que o procedimento de inserção pode ser uma experiência negativa ou traumática para os pais.

Já outros pais se concentraram na curta duração do desconforto e no fato de a criança se recuperar rapidamente:

“Ele sofreu apenas uma vez quando a sonda foi inserida. Caso contrário, temos que tentar forçá-lo a se alimentar quatro ou cinco vezes por dia, todos os dias. Ele vai odiar comer. A inserção da sonda é uma dor momentânea; leva apenas 30 segundos.”.

Após a inserção da sonda

Alguns pais se sentiram mais positivos em relação à alimentação por sonda após a inserção da sonda, seja pelo fato de os filhos se acostumarem facilmente, seja pelos benefícios, como:

O ganho de peso parece particularmente significativo para as mães de bebês prematuros, por ser um critério para a alta hospitalar.

Algumas crianças mais velhas e adolescentes pareceram concordar, embora tenham expressado sentimentos mais ambivalentes ou negativos em relação à sonda:

“Para ser sincero, eu realmente odeio isso, mas sei que, neste momento, é a única maneira de realmente ganhar peso” (13 anos).

Outros pais e crianças mais velhas também descreveram desafios específicos durante a NE, como vômitos, diarreia ou outros tipos de desconforto, e os pais descreveram como esses desafios causaram novas preocupações.

Outra questão levantada pelos autores foi a aparência. Pais e profissionais de saúde relataram que algumas crianças se sentiam constrangidas e relutantes em serem vistas por outras pessoas no hospital, principalmente os mais velhos:

“Não gostei particularmente da forma como isso te identifica como uma pessoa doente” (17 anos).

Por fim, mães de recém-nascidos prematuros e gravemente doentes descreveram a alimentação por sonda como emocionalmente desafiadora. Essas mães se sentiam frustradas quando não conseguiam amamentar, e que a alimentação por sonda interrompia o vínculo e o apego. 

Comunicação entre pais e profissionais de saúde

A pesquisa também relatou algumas dificuldades na troca de informações e relação entre pais e profissionais de saúde. 

Embora alguns pais tenham notado que sentiram ter participado do processo de tomada de decisão sobre o início ou não da NE, outros descreveram que não foram envolvidos nas decisões. Alguns profissionais de saúde concordaram que os pais deveriam se envolver mais.

Um estudo relatou que os pais se sentiam negligenciados quando os profissionais de saúde seguiam os protocolos sem levar em consideração suas preocupações dos pais com as reações da criança. Uma mãe relatou:

“Ela vomitava muito. Quando eu disse: ‘Pare agora, porque ela só está vomitando’, eles me olharam e disseram: ‘Sim, mas o cronograma indica algo diferente. Ela precisa ser alimentada agora. Por que você está mexendo com isso?”.

Alguns pais descreveram como o ambiente hospitalar oferecia oportunidades de troca de apoio com pais em situações semelhantes e poderia ajudar a normalizar o processo. Já outros pais sentiam que a falta de apoio da equipe tornava o hospital um ambiente difícil.

Ademais, alguns pais relataram ter recebido informações sobre nutrição enteral da equipe do hospital, enquanto outros pais disseram que as informações que receberam não foram suficientes. Assim, muitos buscaram informações de outras fontes, incluindo outras famílias e a internet.

Alguns pais afirmaram que gostariam de receber alguns tipos de informação em estágios iniciais, por exemplo, sobre a duração e as consequências da nutrição enteral. Contudo, tanto pais quanto os profissionais de saúde relataram que eles podem não se lembrar das informações fornecidas em estágios iniciais e estressantes da doença de seus filhos.

Experiências dos profissionais de saúde

Alguns profissionais de saúde relataram falta de conhecimento e habilidades para fornecer nutrição enteral pediátrica. Eles descreveram variações na prática devido à falta de critérios claros. Além disso, alguns profissionais que receberam treinamento sugeriram que foi insuficiente.

Por exemplo, médicos em uma UTI-P relataram estar inseguros sobre as necessidades calóricas de crianças graves e não calcularam as necessidades energéticas e proteicas durante a internação. Eles também relataram falta de conhecimento sobre a introdução e o aumento da nutrição enteral, bem como sobre o suporte nutricional após a extubação

Apesar disso, assim como os pais, os profissionais de saúde reconhecem os benefícios da nutrição enteral pediátrica, mas também mencionam os efeitos adversos e  preocupações com o desconforto para a criança.

Alguns profissionais de saúde relataram que a introdução de ferramentas, protocolos ou outras intervenções nutricionais para aprimorar as práticas poderia aumentar seu conhecimento e conscientização sobre o suporte nutricional, embora a falta de tempo pudesse ser uma barreira para o uso de novas ferramentas. 

Alguns profissionais de saúde também enfatizaram a importância de incluir nutricionistas no atendimento, pois isso poderia ser uma fonte valiosa de orientação, melhorar as práticas nutricionais e reduzir a carga de trabalho.

Finalmente, alguns profissionais de saúde relataram que a falta de recursos pode ser uma barreira para fornecer suporte nutricional adequado, por exemplo, quando faltavam instalações de armazenamento para leite materno.

Conclusão

A nutrição enteral é fundamental no suporte a crianças graves, mas sua implementação ainda enfrenta barreiras práticas, emocionais e estruturais. Pais, crianças e profissionais de saúde reconhecem seus benefícios, mas também relatam desafios importantes, como o desconforto do procedimento, a dificuldade na comunicação e a falta de preparo técnico. 

Sendo assim, os autores desenvolveram uma série de perguntas, cuja discussão pode ajudar a implementação adequada da nutrição enteral pediátrica:

– Como garantir que os profissionais de saúde tenham acesso a treinamento e suporte nutricional?

– Como garantir que as unidades de saúde tenham acesso confiável a alimentos e equipamentos?

– Como fornecer aos pais e às crianças informações e apoio adequados nas diferentes etapas do processo de alimentação enteral?

– Como garantir que os pais estejam envolvidos no processo de tomada de decisão?

– Como apoiar as mães que estavam amamentando quando a alimentação enteral foi iniciada?

Para ler o artigo científico completo, clique aqui.

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Referência:

Søiland, E., Glenton, C., Munabi-Babigumira, S. et al. Factors that influence the provision of enteral feeding for critically ill children: a qualitative evidence synthesis. BMC Nutr 11, 98 (2025). https://doi.org/10.1186/s40795-025-01077-3