Nutrição enteral em bebês prematuros: evidências atuais
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Com frequência, bebês prematuros enfrentam déficits nutricionais nas primeiras semanas de vida, quando a nutrição enteral ainda é limitada. Esses déficits podem resultar em crescimento lento e aumento de riscos de complicações, como o baixo peso.
Pesquisas recentes indicam que estabelecer nutrição enteral completa nas primeiras semanas, com progressão rápida do volume de alimentação, favorece o crescimento e pode prevenir déficits nutricionais, reduzindo o risco de sepse, displasia broncopulmonar e outros problemas.
Entretanto, há uma grande variabilidade nas práticas de nutrição enteral nas unidades neonatais, em parte devido a preocupações com complicações, como a enterocolite necrosante.
Um recente artigo científico buscou reunir evidências mais atuais sobre nutrição enteral em bebês prematuros e o impacto de práticas alimentares precoces na saúde desses pacientes. Confira os pontos chaves a seguir.
Nutrição enteral em bebês prematuros: risco de enterocolite necrosante
A relação entre nutrição enteral e o desenvolvimento de enterocolite necrosante (ECN) em bebês prematuros é frequentemente mal interpretada.
Como a nutrição enteral costuma ser o último evento antes do diagnóstico de ECN, muitos acreditam que evitá-la poderia prevenir a condição. Contudo, essa percepção baseia-se em uma associação e não em uma causalidade comprovada.
Segundo os autores, a ECN é uma condição multifatorial, e décadas de pesquisa provaram que a alimentação enteral não é o único fator de risco. Outros fatores, como restrição de crescimento fetal, hipoxemia persistente, anemia grave e disbiose, também contribuem para esse quadro.
Embora a nutrição enteral possa estar associada a casos de ECN, ela é apenas um dos componentes do quadro, e sua contribuição como fator de risco tem diminuído com o uso de estratégias como uso de leite humano, arginina e probióticos, que reduzem a incidência de ECN.
De fato, uma meta-análise atualizada encontrou uma redução de risco relativo de quase 50% de ENC com alimentação com leite humano (de 6,8% para 3,6%).
Intolerância à nutrição enteral em bebês prematuros
A transição de nutrição parenteral para enteral em bebês prematuros começa com nutrição enteral mínima (alimentação trófica, ≤24 mL/kg/d), seguida de alimentação progressiva (incrementos de volumes de alimentação geralmente de 10–35 mL/kg/d a cada dia), finalizando com alimentação enteral completa (≥120–150 mL/kg/d).
Contudo, até 50% dos bebês prematuros desenvolvem intolerância alimentar durante esse processo, principalmente devido à dismotilidade, pois a motilidade gastrointestinal é subdesenvolvida na maioria dos bebês nascidos antes de 28 semanas de gestação.
Embora o alto volume residual gástrico seja um critério comum para interromper a nutrição enteral em bebês prematuros, um alto nível de evidência não apoia essa prática. Em ensaios clínicos randomizados, foram associados a um menor risco de intolerância alimentar:
- Não verificar os volumes residuais gástricos (a avaliação de rotina provavelmente interrompe a produção natural de ácido clorídrico no estômago);
- Realimentar os volumes residuais gástricos;
- Adicionar ácido clorídrico à fórmula infantil.
Em locais onde o volume gástrico não é mais monitorado rotineiramente, sinais como distensão abdominal e vômitos são usados para decidir a interrupção da alimentação.
Vários métodos estão sendo avaliados como ferramentas de diagnóstico para avaliar intolerância alimentar e identificar bebês com maior risco de doença intestinal. Contudo, nenhum deles é validado. Assim, os autores recomendam listas de verificação para avaliar a intolerância alimentar, como o exemplo a seguir:
- O paciente recebeu alguma fórmula alimentar?
- O bebê está recebendo mais do que alimentação trófica (>25 mL/kg/d)?
- Os sons intestinais estão hipoativos ou ausentes?
- Há alças intestinais visíveis?
- Há distensão abdominal com descoloração?
- O bebê teve aumento da circunferência abdominal?
- O bebê teve constipação?
- O bebê teve fezes com sangue?
- A produção de urina do bebê está baixa?
- O bebê está recebendo suporte com vasopressores?
- O lactato do bebê está alto?
- O bebê está mostrando sinais de hipotensão?
- O bebê está apresentando características anormais de frequência cardíaca?
- O bebê teve aumento relativo na necessidade de oxigênio?
- O bebê está tendo mais apneias e bradicardia?
Nutrição enteral em bebês prematuros: recomendações
De acordo com os pesquisadores, alguns protocolos de alimentação avançam a nutrição enteral muito lentamente em bebês prematuros.
Contudo, essa prática pode estar ultrapassada, pois evidências emergentes de ensaios clínicos randomizados indicam que a progressão mais lenta e tardia da nutrição enteral não atenua o risco de enterocolite necrosante.
Por outro lado, promover o estabelecimento precoce de nutrição enteral completa reduz o risco de infecções invasivas.
As recomendações incluem:
- Bebês prematuros de alto risco: progressão precoce dos volumes de alimentação enteral em 20 a 25 mL/kg/d, idealmente nas primeiras 72 horas após o nascimento.
- Bebês prematuros de risco moderado: começar com 30 a 40 mL/kg de alimentação enteral nas primeiras 24 horas após o nascimento e ter seus volumes de alimentação aumentados diariamente em 30 a 40 mL/kg/d.
- Bebês prematuros de baixo risco: iniciar volumes de alimentação enteral completa de 60 a 80 mL/kg/d dentro de 24 horas após o nascimento, evitando a necessidade de nutrição parenteral.
Conclusão
Em resumo, as evidências atuais indicam que a nutrição enteral precoce e progressiva, com volumes adequados e o uso de leite materno ou doado, pode promover o crescimento saudável em bebês prematuros sem aumentar o risco de ECN ou intolerância alimentar.
A implementação de protocolos bem definidos e práticas alimentares ajustadas ao contexto de cada bebê tem o potencial de melhorar o prognóstico a curto e longo prazo.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
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Referência:
Salas AA, Travers CP. The Practice of Enteral Nutrition: Clinical Evidence for Feeding Protocols. Clin Perinatol. 2023 Sep;50(3):607-623. doi: 10.1016/j.clp.2023.04.005. Epub 2023 May 26. PMID: 37536767; PMCID: PMC10599301.