Microbiota intestinal infantil: o impacto da dieta e intervenções nutricionais

microbiota intestinal infantil
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A microbiota intestinal infantil é um fator essencial para o desenvolvimento saudável nos primeiros anos de vida. Estudos recentes destacam a importância dessa comunidade microbiana na infância, quando se estabelece a base para a saúde ao longo da vida.

O papel da alimentação na formação dessa microbiota é fundamental, especialmente nos dois primeiros anos. Durante esse período, as mudanças na dieta, como a amamentação, a introdução de alimentos sólidos e o uso de suplementos, impactam a diversidade e a funcionalidade dessa microbiota. 

Uma recente revisão, composta por 264 artigos científicos, examinou como esses fatores alimentares podem influenciar positivamente o microbioma intestinal de bebês, tanto saudáveis quanto em condições especiais. Confira a seguir.

Dieta materna durante a gravidez

A dieta materna tem um impacto significativo no desenvolvimento da microbiota intestinal do bebê. 

De acordo com a hipótese de origens do desenvolvimento da saúde e da doença (DOHaD), a colonização gastrointestinal neonatal durante os primeiros 1000 dias após o nascimento é um estágio essencial no crescimento e desenvolvimento, fortemente impactado pela dieta materna.

Estudos sobre a dieta materna, como ingestão de fibras, lipídios e proteínas, mostraram associações com a microbiota intestinal da mãe e do bebê, embora os resultados variem. 

De modo geral, hábitos alimentares pré-natais classificados como “saudáveis” — marcados pelo consumo abundante de frutas vegetais e ingestão mínima de carnes processadas e alimentos fritos — estavam associados à composição da microbiota infantil, como uma maior diversidade alfa de recém-nascidos.

No entanto, esses efeitos podem ser temporários e perderem a significância após ajustes em variáveis.

A suplementação com probióticos, especialmente Lactobacillus e Bifidobacterium, demonstrou impacto no estabelecimento do microbioma neonatal, mas com efeitos temporários e não consistentes.

De forma geral, a evidência atual não é suficiente para recomendar suplementação materna com probióticos ou prebióticos para modulação significativa e duradoura do microbioma infantil.

Dieta e intervenções nutricionais nos primeiros anos de vida

A nutrição infantil, especialmente o leite materno e a fórmula, desempenha um papel crucial na formação da microbiota intestinal do bebê. O tipo de alimentação influencia a composição e função dessa microbiota devido às diferenças na composição dos nutrientes, especialmente os Oligossacarídeos do Leite Humano (HMOs).

A amamentação é essencial para estabelecer uma microbiota intestinal saudável. O leite materno contém componentes como proteínas, carboidratos, gorduras e imunoglobulinas, além de HMOs que, ao serem fermentados no cólon por Bifidobacteria, produzem ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), favorecendo um ambiente intestinal equilibrado e saudável. 

Esses HMOs também ajudam a regular o sistema imunológico do bebê, promovendo o crescimento de bactérias benéficas e inibindo patógenos. Além disso, o leite materno transmite bactérias ao bebê, contribuindo para a colonização inicial do intestino e fortalecendo ainda mais sua microbiota intestinal.

Estudos mostram que a duração da amamentação está associada a diferentes perfis bacterianos, com efeitos específicos sobre as famílias de bactérias como Bifidobacterium e Lactobacillus.

Por outro lado, bebês alimentados com fórmula apresentam uma menor quantidade de Bifidobacteria e maior concentração de Bacteroides. Isso se deve à ausência de HMOs e ao maior teor de proteínas na fórmula, que afeta a composição da microbiota intestinal. 

Além disso, a alimentação com fórmula pode aumentar a diversidade bacteriana, mas também pode levar à produção de metabólitos prejudiciais, o que pode resultar em inflamação e aumento da permeabilidade intestinal.

Para aproximar a microbiota intestinal de bebês alimentados com fórmula daquela dos amamentados, esforços incluem a suplementação com prebióticos, probióticos ou simbióticos. Essas intervenções buscam emular os benefícios para a saúde do leite materno, promovendo uma microbiota mais equilibrada e saudável.

Introdução alimentar

A partir dos seis meses, o leite materno sozinho não é mais suficiente para atender às necessidades metabólicas do bebê, sendo necessário introduzir alimentos complementares. Esses alimentos ajudam no crescimento e no desenvolvimento neurológico adequados. 

A introdução de alimentos sólidos altera significativamente a microbiota intestinal, aumentando sua diversidade e alterando a composição microbiana. A introdução precoce de alimentos diversos promove o crescimento de bactérias benéficas, que produzem ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) que contribuem para a saúde intestinal e o desenvolvimento imunológico. 

A diversidade alimentar, especialmente de fibras e proteínas, fortalece a microbiota intestinal e pode ter efeitos positivos na saúde a longo prazo. 

O momento da introdução desempenha um papel importante na composição da microbiota, com introduções mais precoces podendo aumentar a diversidade microbiana, mas também apresentando riscos como alergias e obesidade.

A figura abaixo resume os efeitos de diferentes moduladores do microbioma em diferentes estágios da vida do bebê.

Gravidez
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Dieta e intervenções nutricionais em bebês prematuros

Bebês prematuros, com menos de 32 semanas, enfrentam desafios como incubadoras estéreis e nutrição parenteral, que afetam a microbiota intestinal, tornando-a diferente da dos bebês a termo. 

A alimentação com leite materno é essencial, pois reduz o risco de complicações como a enterocolite necrosante (NEC), mas não elimina totalmente os riscos devido à variabilidade na composição do leite.

Estudos mostram que a alimentação precoce, especialmente com leite materno, apoia o crescimento e melhora o desenvolvimento neurológico desses bebês. A microbiota intestinal desses bebês varia ao longo dos primeiros 30 dias de vida, com aumento de certos tipos de bactérias benéficas, como Clostridium e Lactobacillus. 

Além disso, bebês prematuros alimentados com leite materno apresentam maior diversidade microbiana e melhores resultados de saúde intestinal.

A suplementação com probióticos, especialmente B. infantis, pode reduzir NEC, sepse tardia e mortalidade, mas há preocupações com segurança e regulamentação. Algumas diretrizes recomendam cepas específicas, mas a evidência ainda não é definitiva.

Novas estratégias, como microbiotas sintéticas, são promissoras, mas mais pesquisas são necessárias para definir o uso seguro e eficaz de probióticos em prematuros.

O que podemos concluir?

Em resumo, a microbiota intestinal infantil é essencial para a saúde ao longo da vida, sendo influenciada principalmente pela dieta. A alimentação materna durante a gestação pode impactar a colonização inicial do intestino do bebê, mas os efeitos de probióticos e prebióticos são incertos.

A amamentação favorece bactérias benéficas, enquanto fórmulas infantis, apesar de avanços, ainda não replicam totalmente esse efeito. A introdução de alimentos sólidos deve ser diversificada para promover um equilíbrio saudável na microbiota.

Bebês prematuros apresentam menor diversidade microbiana, mas o leite materno melhora essa composição. Estudos na área ainda são heterogêneos, exigindo mais pesquisas para entender os impactos a longo prazo e otimizar intervenções nutricionais.

Para ler a pesquisa completa, clique aqui.

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Referência:

Catassi G, Aloi M, Giorgio V, Gasbarrini A, Cammarota G, Ianiro G. The Role of Diet and Nutritional Interventions for the Infant Gut Microbiome. Nutrients. 2024 Jan 30;16(3):400. doi: 10.3390/nu16030400. PMID: 38337684; PMCID: PMC10857663.