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Nas últimas décadas, foram desenvolvidas fórmulas enterais com fibras que atendem às necessidades nutricionais de diversos pacientes. Mas afinal, por que as fibras na nutrição enteral são importantes, e qual sua finalidade?
Uma nova revisão narrativa reuniu as evidências sobre esse tópico. Confira a seguir.
Fibras: qual é a definição e tipos?
A fibra alimentar tem definições diferentes em todo o mundo, dependendo das instituições científicas e regulatórias.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Codex Alimentarius (CA) consideram fibra como um conjunto de carboidratos que não são digeridos nem absorvidos no intestino delgado e que têm um grau de polimerização superior a dez unidades monoméricas.
Com base em suas propriedades físico-químicas, as diferentes fibras são classificadas com base na solubilidade (capacidade de se dissolver na água), viscosidade (possibilidade de formar gel aquosa) e fermentação (grau em que os microrganismos da MI podem metabolizá-las).
A fibra solúvel e fermentável tem o maior efeito sobre a microbiota intestinal, pois a fibra insolúvel não é fermentada, mas contribui para o volume das fezes e tempo de trânsito intestinal.
A tabela abaixo apresenta as propriedades físico-químicas dos principais tipos de fibras.
Fibra | Solubilidade | Viscosidade | Fermentabilidade |
Celulose | Insolúvel | Não viscosa | Baixa |
Ligninas | Insolúvel | Não viscosa | Baixa |
B-glucanas | Baixa-média | Média-alta | Alta |
Pectinas | Alta | Média-alta | Alta |
Inulina | Média-alta | Baixa-alta | Alta |
Galacto-oligossacarídeos | Alta | Baixa | Alta |
Dextrinas | Alta | Não viscosa-baixa | Alta |
Goma guar | Alta | Baixa | Alta |
Efeitos das fibras na microbiota e no trato gastrointestinal
A ingestão adequada de fibras favorece o desenvolvimento de bactérias saudáveis, impactando na diversidade e abundância (eubiose) da microbiota intestinal.
As fibras fornecem substratos que são fermentados por gêneros específicos de bactérias estritamente anaeróbias (Bifidobacterium, Akkermansia, Faecalibacterium, Ruminococcus e Christensenella).
O principal produto do metabolismo microbiano são os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC). Entretanto, a quantidade de AGCC produzida depende do tipo e da quantidade de fibra consumida, bem como das espécies bacterianas presentes no cólon.
Os AGCC derivados da fermentação de fibras regulam diferentes processos biológicos no hospedeiro, atuando como mensageiros químicos e sinais moleculares sobre o metabolismo, motilidade, secreção, barreira intestinal e imunomodulação.
Em um estudo com adultos, onde a maioria recebeu NE exclusiva, a administração de um produto com múltiplas fibras, em relação ao controle sem fibras, induziu um aumento significativo na concentração de AGCC’s nas fezes e no número total de bactérias fecais.
É importante manter a microbiota intestinal saudável, pois ela influencia as interações entre o intestino e o sistema nervoso central (SNC) por meio de múltiplos sinais que formam o eixo microbiota-intestino-cérebro.
A MI também influencia a permeabilidade intestinal. A fibra dietética e os AGCC estimulam a produção e secreção de muco pelas células caliciformes e promovem a estabilidade das junções epiteliais (junções apertadas). A falta prolongada de fibras está associada ao aumento de bactérias que degradam o muco protetor e danificam a barreira intestinal.
Por que é importante que a nutrição enteral contenha fibras?
Estudos epidemiológicos demonstraram a relação entre o consumo de fibras e a redução da incidência de diferentes doenças crônicas (doenças cardiovasculares, câncer, diabetes) e do risco de morte associado.
Além disso, estudos clínicos controlados relatam os efeitos benéficos da ingestão de fibras no intestino: melhor absorção de nutrientes, tempo de trânsito, formação de fezes e composição e função da microbiota intestinal.
O uso de fibras gera, por meio de sua fermentação, metabólitos como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), que exercem efeitos gastrointestinais importantes, incluindo efeitos metabólicos e sobre a função imunológica.
Quais patologias se beneficiam do uso de fibras na nutrição enteral?
O uso de fibras em fórmulas de alimentação enteral é indicado para qualquer paciente com mais de 6 meses que necessite de suporte nutricional prolongado, sendo atualmente considerado como terapia nutricional de primeira linha.
Exemplos incluem:
- Pacientes pediátricos pós-cirúrgicos
- Pacientes críticos que estiveram em jejum e necessitam de NE
- Pacientes neurológicos
- Pacientes desnutridos
- Pacientes com síndrome do intestino curto
- Pacientes com doença inflamatória intestinal (DII) em remissão
Como implementar a administração de fibras enteral?
As fórmulas de nutrição enteral (NE) contêm diferentes tipos de fibras. Dada a variabilidade individual da resposta à ingestão de fibras, ainda é complexo determinar qual tipo de fibra é mais adequado para cada distúrbio. As características da fibra, a condição clínica do paciente e a tolerância às fibras devem ser consideradas para otimizar os benefícios.
Segundo os autores, uma mistura de fibras fermentáveis com efeito prebiótico seria a melhor opção a longo prazo. Em lactentes com menos de 6 meses de idade, esse efeito é alcançado através do leite materno.
Especialistas recomendam a administração progressiva e a ingestão contínua conforme a tolerância.
O que podemos concluir?
O efeito benéfico das fibras sobre a composição e função da microbiota intestinal, a barreira intestinal, a produção de muco, a função imunológica intestinal e o eixo intestino-cérebro é amplamente reconhecido.
Assim, a inclusão de fibras na NE em diferentes grupos de pacientes, mesmo na presença de doenças gastrointestinais, é encorajada.
Devido à variabilidade individual na resposta à ingestão de fibras, que provavelmente está relacionada às diferenças na composição e função da microbiota, ainda é complexo determinar qual tipo ou combinação de fibras é a mais adequada para diferentes patologias. Estudos adicionais são necessários para analisar esses aspectos mais profundamente.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
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Referência:
Fernández A, Toca MDC, Vinderola G, Sosa P. Fiber in enteral nutrition: why and what for? Arch Argent Pediatr. 2024 Jun 13:e202310274. English, Spanish. doi: 10.5546/aap.2023-10274.eng. Epub ahead of print. PMID: 38856685.