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A Doença de Crohn (DC) é um subtipo de doença inflamatória intestinal (DII), caracterizada pela inflamação crônica do trato gastrointestinal resultante de respostas imunológicas desreguladas a gatilhos ambientais ou microbianos intestinais, em indivíduos geneticamente predispostos.
Sabe-se que a dieta desempenha um papel fundamental na composição do microbioma intestinal, e há evidências crescentes de que ela influencia o risco e a progressão da DC. Mas um aspecto ainda pouco explorado é o papel do fagoma, o conjunto de vírus intestinais, na mediação dos efeitos da dieta sobre a inflamação.
Um recente estudo utilizou uma abordagem multiômica, conjugando explorações humanas, in vivo e in vitro, para identificar componentes alimentares benéficos específicos que neutralizam a DC, por meio da análise de dados pareados de fagoma, bacterioma e fenótipo intestinal. Ao total, 140 participantes com e sem doença de Crohn foram incluídos.
Confira os principais achados.
Whey protein pode proteger contra a doença de Crohn
Entre os componentes alimentares investigados, o consumo de três itens alimentares (incluindo whey protein, café e bebidas alcoólicas) impactou a composição do fagoma intestinal.
Além disso, 11 itens (incluindo goma de mascar, carne/frutos do mar processados, macarrão instantâneo, arroz, sobremesa diária e whey protein) impactaram o bacterioma intestinal.
Destes, whey protein mostrou o maior tamanho de efeito na influência da variação do fagoma, além de ser o único componente dietético que mostrou um efeito simultâneo no fagoma e no bacterioma.
No geral, os consumidores de whey protein apresentaram uma diversidade α significativamente aumentada do fagoma intestinal em comparação com os não consumidores, enquanto as diferenças na diversidade α e β no bacterioma foram insignificantes. Assim, a influência sob o fagoma foi mais substancial.
Os dados também mostraram que a ingestão alimentar da proteína de soro de leite foi significativamente associada a um menor risco de DC.
Dentre os consumidores de whey protein, mais táxons de fagos e bactérias foram correlacionados na rede de interação fagoma-bacterioma, com correlações mais robustas e intensas. Isso sugere que o WP é um componente alimentar benéfico no estabelecimento de uma ecologia enriquecida de fagoma-bacterioma para combater a inflamação intestinal na DC.
Ademais, os consumidores de whey foram enriquecidos para 13 gêneros de fagos, particularmente fagos contra bactérias patogênicas e patógenos oportunistas, como:
- Miltonvírus (fagos de Serratia marcescens)
- Berlinvírus (fagos de Salmonella typhimurium)
- Kagunavírus (fagos de Escherichia coli)
Por fim, 5 gêneros de bactérias, principalmente simbióticas, também foram enriquecidos, incluindo:
- Streptococcus
- Lachnoclostridium
- Faecalibacterium
Evidências em camundongos
Além da análise em humanos, os pesquisadores conduziram uma série de experimentos com camundongos, onde foi descoberto:
- O fagoma intestinal remodelado pelo whey protein pode atenuar causalmente a inflamação intestinal;
- O whey protein induziu a síntese de fagos da bactéria Akkermansia muciniphila, levando à diminuição de sua abundância, que posteriormente liberou o crescimento da bactéria probiótica Streptococcus thermophilus para neutralizar a inflamação intestinal;
- O whey protein orquestra o eixo de interação entre reinos do fago Akkermansia-A. municophilus-S. thermophilus para combater a inflamação.
A Akkermansia muciniphila é uma bactéria conhecida por sua capacidade de degradar mucina, um componente importante da camada de muco no trato gastrointestinal humano.
Embora seja considerada uma bactéria supostamente benéfica contra o câncer colorretal e doenças metabólicas, é notável por seu papel deletério na exacerbação da inflamação intestinal em cenários de defeitos da barreira mucosa, como em condições de DII – justamente devido à sua natureza de busca por mucina.
Além disso, A. muciniphila é uma bactéria intestinal comum que normalmente existe como um comensal inofensivo, mas também pode se tornar patogênica sob certas condições
Conclusão
A pesquisa amplia a compreensão sobre como os alimentos podem modular a saúde intestinal não apenas por suas interações com bactérias, mas também com vírus.
A proteína do soro do leite se destacou como um possível agente dietético protetor na DC, ao promover um ambiente microbiano mais diverso, anti-inflamatório e funcional.
Assim, os autores sugerem que o whey protein pode ser usado como um suplemento dietético durante intervenções alimentares, enquanto os fagos podem ser usados para atingir potenciais patobiontes no manejo dos sintomas da doença de Crohn e na prevenção do início ou agravamento da doença.
Pesquisas futuras são necessárias para aumentar a eficiência terapêutica e expandir o arsenal terapêutico para a DC, incorporando intervenção dietética, fagos intestinais e bactérias como um todo.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
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Referência:
Su R, Wen W, Jin Y, et al. Dietary whey protein protects against Crohn’s disease by orchestrating cross-kingdom interaction between the gut phageome and bacteriome. Gut. 2025;74(7):1246-1260. doi:10.1136/gutjnl-2024-334516