Suplementação de lactoferrina: efeitos na inflamação, imunidade e infecções respiratórias

Suplementação de lactoferrina: efeitos na inflamação, imunidade e infecções respiratórias

suplementação de lactoferrina
Fonte: Canva

A lactoferrina (Lf) é uma glicoproteína da família das transferrinas, presente em fluidos biológicos como leite materno, lágrimas, e fluidos gastrointestinais. Assim, é um componente importante do leite humano e bovino.

Ela desempenha uma variedade de funções fisiológicas, incluindo atividades antimicrobianas, antioxidantes e imunomoduladoras.

Em termos de estrutura e função, a Lf humana (hLf) é análoga à Lf bovina (bLf), sendo que esta pode ser extraída do leite bovino e utilizada como suplemento nutricional em uma variedade de pacientes e condições, para as quais é considerada segura e bem tolerada.

Uma revisão sistemática com 25 estudos buscou examinar as evidências da suplementação da lactoferrina na inflamação, função imunológica e infecções do trato respiratório (ITRs). Confira os resultados a seguir.

Suplementação de lactoferrina: o que dizem as pesquisas?

Lactoferrina e inflamação

Treze ensaios clínicos apresentaram resultados de biomarcadores inflamatórios sistêmicos. Destes estudos, a maioria (n=8, 62%) relatou uma diminuição em pelo menos 1 biomarcador inflamatório com a suplementação de lactoferrina, incluindo redução de PCR, TNF-α, IFN-γ, IL-1β e IL-6, e aumento de IL-10 e IL-12+p40.

Em adultos, a lactoferrina reduziu a IL-6 (diferença média: –24,9 pg/mL), mas não a proteína C-reativa (PCR) ou a citotoxicidade das células NK.

A redução de IL-6 ocorreu principalmente em mulheres e populações com distúrbios da homeostase do ferro. Este efeito pode ser devido a vários mecanismos, mas o papel da lactoferrina na regulação da homeostase do ferro parece ser o mais relevante.

Especificamente, a ferroportina (responsável pelo transporte de ferro dos tecidos para a circulação sistêmica) é regulada negativamente pela IL-6. Enquanto isso, a hepcidina (que inibe o transporte de ferro) é regulada positivamente pela IL-6. O tratamento com lactoferrina restaura a homeostase do ferro e reduz a inflamação, reduzindo a IL-6 e a hepcidina e regulando positivamente a ferroportina.

Assim, as evidências sugerem que a Lf pode ser mais eficaz na redução da inflamação associada a doenças, infecções ou em casos de homeostase do ferro interrompida.

Lactoferrina e imunidade

Oito estudos examinaram o efeito da suplementação de lactoferrina nas populações de células imunes periféricas e na atividade das células NK. Todos os ensaios utilizaram a suplementação de bLf como intervenção, com doses variando de 100 mg/dia a 3 g/dia, e o período de intervenção de 7 dias a 12 meses.

A função imune melhorou em 6 de 8 estudos (75%) em adultos, com alterações nas populações de células imunes em 2 de 6 estudos (33%) e alterações na atividade das células imunes em 2 de 5 estudos (40%). 

Os estudos que encontraram um efeito positivo da suplementação de bLf na atividade das células NK foram conduzidos em adultos com mais de 40 anos de idade, enquanto os ensaios negativos incluíram indivíduos em uma ampla faixa etária entre 20 e 95 anos. 

Isso sugere que o efeito do bLf na atividade das células NK pode ser mais eficaz em uma coorte mais velha. A hipótese é que a suplementação com bLf contribui para restauração da resposta imune comprometida pelo envelhecimento, particularmente em relação à funcionalidade das células dendríticas e à produção de citocinas pró-inflamatórias.

Lactoferrina e infecções respiratórias

Dez ensaios clínicos relataram a incidência, frequência, duração e gravidade dos desfechos de infecções respiratórias após a suplementação com lactoferrina.

Na maior parte, os ensaios foram realizados em lactentes e crianças pequenas saudáveis ​​(50%), mas estudos com adultos saudáveis e pacientes neurológicos acamados também estavam presentes. 

As intervenções consistiram principalmente em fórmulas infantis ou enterais fortificadas com bLf, com doses variando de 35 mg/dia a 1000 mg/dia e durações de 4 semanas a 15 meses.

Os desfechos de infecções respiratórios reduziram em 6 de 10 estudos (60%), com incidência reduzida em 3 de 9 estudos (33%) e frequência ou duração reduzida em 50% das pesquisas (2/4; 3/6).

Os resultados da meta-análise indicaram que a suplementação de lactoferrina foi associada à redução da incidência de infecções do trato respiratório em bebês e crianças, mas não em adultos – embora houvesse uma tendência de melhora próxima a significância. 

Outra revisão sistemática constatou que a Lf previne sepse de início tardio, enterocolite necrosante e infecção hospitalar em lactentes prematuros, sugerindo que a suplementação com Lf também é benéfica em populações com sistemas imunológicos comprometidos ou imaturos.

Os mecanismos que explicam esses efeitos incluem:

Ações bacterianas: a atividade antibacteriana da lactoferrina ocorre por dois mecanismos principais: 

  • Bacteriostático, pela captação de ferro, privando as bactérias desse nutriente essencial; 
  • Bactericida, pela interação direta com a membrana bacteriana, especialmente em bactérias gram-negativas, promovendo a liberação de lipopolissacarídeos (LPS). 

Ações antivirais: a lactoferrina e seus peptídeos derivados apresentam ampla atividade antiviral, incluindo contra vírus encapsulados e não encapsulados. Os mecanismos antivirais envolvem várias abordagens, como:

  • Prevenção da apoptose induzida pelo vírus nas células
  • Bloqueio da entrada viral nas células
  • Interferência em mecanismos intracelulares do vírus, como replicação viral, demonstrado em estudos com vírus da influenza, hepatite C, herpes simples, HIV, entre outros.
  • Aumento da resposta imunológica antiviral

Ademais, a lactoferrina também conta com propriedades antifúngicas e antiparasitárias.

Conclusão

Em suma, a suplementação de lactoferrina mostra-se uma promissora aliada na redução da inflamação sistêmica, especificamente da IL-6; no fortalecimento da imunidade, principalmente em idosos; e na prevenção de infecções respiratórias em bebês e crianças.

Embora benefícios potenciais tenham sido identificados nesta revisão, mais pesquisas são necessárias para determinar seus efeitos na função imunológica, estratégias de suplementação ideais e identificar as populações com maior probabilidade de se beneficiar da suplementação de lactoferrina.

Para ler o artigo científico completo, clique aqui.

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Referências:

Berthon BS, Williams LM, Williams EJ, Wood LG. Effect of Lactoferrin Supplementation on Inflammation, Immune Function, and Prevention of Respiratory Tract Infections in Humans: A Systematic Review and Meta-analysis. Adv Nutr. 2022 Oct 2;13(5):1799-1819. doi: 10.1093/advances/nmac047. PMID: 35481594; PMCID: PMC9526865.

Gruden Š, Poklar Ulrih N. Diverse Mechanisms of Antimicrobial Activities of Lactoferrins, Lactoferricins, and Other Lactoferrin-Derived Peptides. Int J Mol Sci. 2021 Oct 19;22(20):11264. doi: 10.3390/ijms222011264. PMID: 34681923; PMCID: PMC8541349.

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Pós-graduação de Nutrição Clínica

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