O paradoxo da obesidade: resultados de dois grandes estudos internacionais

O paradoxo da obesidade: resultados de dois grandes estudos internacionais

paradoxo da obesidade
Fonte: Canva

O “paradoxo da obesidade” é o fenômeno observado pela ciência em que, embora a obesidade contribua para o desenvolvimento de doenças crônicas, ela pode exercer um efeito “protetor”, de melhor sobrevida em determinados cenários clínicos – como no câncer, pacientes graves e doenças cardiovasculares.

Entretanto, alguns pesquisadores acreditam que este fenômeno controverso seja apenas devido a limitações metodológicas. Um novo estudo buscou esclarecer essa questão, incluindo as características do paradoxo da obesidade. Confira os achados a seguir.

Quase 70 mil participantes inclusos

O estudo prospectivo usou dados de duas coortes, dos Estados Unidos e da China. O estudo americano, National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) de 1999 a 2018, é uma coorte prospectiva de uma amostra nacionalmente representativa de participantes adultos.

A coorte de validação chinesa incluiu pacientes da Investigation on Nutrition Status and Clinical Outcome of Common Cancers (INSCOC), um estudo prospectivo multicêntrico, de larga escala e acompanhamento de longo prazo que visa investigar a desnutrição em pacientes com câncer e identificar fatores de risco associados a resultados negativos.

No geral, 52.270 participantes do NHANES e 17.418 pacientes com câncer do INSCOC foram incluídos. O IMC dos participantes foi categorizado como:

  • IMC baixo (<20 kg/m2 para os Estados Unidos e <18,5 kg/m2 para os chineses)
  • IMC normal (20–25 kg/m2 para os Estados Unidos e 18,5 kg/m2 para os chineses), 
  • Sobrepeso (25–30 kg/m2 para os Estados Unidos e 24–28 kg/m2 para os chineses) 
  • Obesidade (≥30 kg/m2 para os Estados Unidos e ≥28 kg/m2 para os chineses). 

Ainda, a população obesa dos EUA foi categorizada em obesidade I (30–35 kg/m2) e obesidade II (≥35 kg/m2).

Também foram medidos a razão neutrófilo-linfócito (NLR), onde a inflamação sistêmica foi definida como uma NLR > 3. Finalmente, os estágios do tumor foram categorizados de acordo com a 8ª edição do sistema de estadiamento do American Joint Committee on Cancer

Alto IMC foi protetor contra a mortalidade na população mais velha

Na população dos EUA, o paradoxo da obesidade foi observado em participantes mais velhos (idade ≥ 65 anos) e participantes com doenças (DCVs e câncer).

Entre os participantes do NHANES, um IMC entre 25 e 34,5 teve um efeito protetor. Na análise de subgrupos, o IMC mostrou uma curva em forma de U na maioria dos subgrupos. O sobrepeso mostrou um fator protetor em todos os subgrupos, exceto em adultos jovens (idade < 45 anos).

Os pacientes chineses com câncer no estudo INSCOC também mostraram uma tendência semelhante de um efeito cada vez mais protetor com a idade.

Estudos anteriores também descobriram que a população mais velha tem um paradoxo de obesidade mais pronunciado. Uma meta-análise mostrou que, embora a obesidade de graus 2 e 3 tenha sido associada a uma mortalidade maior, a obesidade de grau 1 não foi, e o sobrepeso foi associado a uma mortalidade menor.

A explicação para essas achados pode se relacionar ao fato de que o envelhecimento afeta negativamente o metabolismo corporal e aumenta as doenças comórbidas. Por outro lado, as altas reservas metabólicas em pacientes com IMC alto ajudam contra o insulto nutricional da recuperação da doença. 

Desse modo, a obesidade pode ter benefícios de sobrevivência ao proteger contra o uso ineficiente de energia e desperdício de proteína-energia.

Para identificar os fatores de mediação, os autores conduziram uma análise de mediação do participante do NHANES. Um efeito mediador do NLR foi observado, em que um NLR alto foi um fator de risco para sobrevivência. Os participantes com um NLR alto e um IMC baixo tiveram a pior sobrevivência

Segundo os autores, o efeito protetor da obesidade pode reduzir o risco de morte em pessoas com inflamação elevada, pois a obesidade reduz o risco de inflamação em pacientes mais velhos.

O que podemos concluir?

Em suma, os achados indicam que o paradoxo da obesidade tem uma forte correlação com a idade, e que a proteção da obesidade é associada à inflamação sistêmica.

Entretanto, os autores apontam que o IMC não é considerado um bom indicador de obesidade atualmente. As distribuições da composição corporal por circunferências, bioimpedância elétrica e métodos relacionados são melhores indicadores do que o IMC.

Além disso, mesmo com o paradoxo da obesidade, perder peso e se exercitar são recomendados para pessoas com obesidade. Exercitar-se para ganhar massa muscular sem perder peso pode ser benéfico para melhorar a sobrevivência.

Para ler o artigo científico completo, clique aqui.

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Referência:

Ge YZ, Liu T, Deng L, Zhang Q, Liu CA, Ruan GT, Xie HL, Song MM, Lin SQ, Yao QH, Shen X, Shi HP; Investigation on the Nutrition Status and Clinical Outcome of Common Cancers (INSCOC) Group. The age-related obesity paradigm: results from two large prospective cohort studies. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2024 Feb;15(1):442-452. doi: 10.1002/jcsm.13415. Epub 2023 Dec 25. PMID: 38146198; PMCID: PMC10834317.

Pós-graduação de Nutrição Clínica

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