Nutrição na paralisia cerebral: dieta regular vs fórmulas enterais de alto teor calórico

Nutrição na paralisia cerebral: dieta regular vs fórmulas enterais de alto teor calórico

paralisia cerebral
Fonte: Canva

Crianças com paralisia cerebral enfrentam uma série de desafios. Dentre eles, está a desnutrição: estima-se que mais de 50% deste público seja desnutrido. De fato, dados do Registro de Paralisia Cerebral de Bangladesh revelaram que 70% das crianças com paralisia cerebral estavam abaixo do peso e/ou atrofiadas.

Os motivos para essas altas taxas de desnutrição são vários, incluindo deficiências intelectuais, habilidades motoras subdesenvolvidas e distúrbios de alimentação e deglutição. Como consequências, pode-se citar um desenvolvimento neurológico prejudicada, imunidade reduzida, e até aumento da mortalidade.

Uma nova pesquisa científica buscou avaliar o estado nutricional de crianças com paralisia cerebral, examinando o impacto de fórmulas enterais de alto teor calórico como uma intervenção nutricional, em comparação ao suporte nutricional regular. Confira detalhes a seguir.

132 crianças desnutridas participaram da pesquisa

Este recente estudo retrospectivo envolveu 132 crianças desnutridas, de 1 a 10 anos, com paralisia cerebral em reabilitação no First People’s Hospital, na China, de julho de 2020 a julho de 2023. 

A desnutrição em crianças foi categorizada com base nos critérios de crescimento e desenvolvimento infantil da OMS e nas diretrizes da ASPEN, como mostra a tabela abaixo.

Escore-Z Peso por idade Altura por idade Peso por altura IMC por idade
< -1 Desnutrição leve Desnutrição leve
< -2 Desnutrição moderada Desnutrição moderada Desnutrição moderada Desnutrição moderada
< -3 Desnutrição grave Desnutrição grave Desnutrição grave Desnutrição grave

As crianças foram divididas em dois grupos:

  1. Grupo geral (n=66): receberam intervenções nutricionais convencionais depois que seus pais foram educados e treinados em práticas alimentares e técnicas de alimentação.
  2. Grupo nutriente (n=66): receberam uma fórmula de nutrição enteral de proteína intacta de alto teor calórico (função gastrointestinal normal) ou peptídeo curto de alto teor calórico (crianças com distúrbios gastrointestinais), além da sua dieta regular.

No grupo nutriente, a composição das fórmulas de nutrição enteral são descritas na tabela abaixo.

Composição Fórmula enteral de proteína intacta de alto teor calórico Fórmula enteral de peptídeo curto de alto teor calórico
Tipo de proteína 50% whey protein + 50% caseína 100% whey protein hidrolisado
Conteúdo de proteína (g/100 ml) 3.1 3.0
Conteúdo de gordura 18% TMC, óleo vegetal 58% TMC, óleo de soja, óleo de girassol
Carboidratos Maltodextrina, açúcar branco Amido, maltodextrina, sacarose
Calorias (kcal/100 ml) 100 100
Cálcio (mg/100 ml) 68 90
Vitamina D (ug/100 m) 1.1 1.4

Dados sobre medidas antropométricas, indicadores sanguíneos, função motora grossa e eventos adversos foram coletados no início do estudo, três e seis meses. 

Grupo nutriente apresentou melhores resultados

Após 6 meses de intervenção, ambos os grupos apresentaram melhoras em altura, peso, escore Z de peso para altura, escore Z de peso para idade e função motora grossa. 

Entretanto, houve diferenças estatísticas na mudança de altura, índice de massa corporal para idade e função motora grossa entre os dois grupos. A eficiência da intervenção nutricional foi significativamente maior no grupo nutriente do que no grupo geral. Além disso, os níveis de albumina total, albumina, pré-albumina e 25-hidroxivitamina D foram maiores no grupo nutriente do que no grupo geral.

Apesar da melhora geral no estado nutricional, aproximadamente 1/3 das crianças ainda apresentavam desnutrição moderada ou grave após a intervenção, indicando que 6 meses de intervenção nutricional podem não ser suficientes. Portanto, acompanhamentos mais longos são necessários para avaliar os efeitos de longo prazo e a segurança das intervenções de nutrição enteral.

Por fim, uma incidência de efeitos colaterais foi observada em 15.15% das crianças no grupo geral e 9.09% no grupo de nutrientes, sem diferença significativa. A maioria dos eventos relatados foram sintomas gastrointestinais leves, como constipação, inchaço e diarreia. Isso indica que a intolerância gastrointestinal não foi exacerbada pelas fórmulas nutricionais de alto teor calórico.

Quais os mecanismos por trás desta descoberta?

Como visto, a nutrição enteral superou significativamente as abordagens nutricionais padrão na melhoria do estado nutricional. Os mecanismos potenciais que explicam essa descoberta incluem:

  1. Suplementação de energia e nutrientes: fórmulas ricas em calorias fornecem níveis elevados de energia e micronutrientes essenciais, o que pode ajudar a preencher as lacunas de energia e nutrientes criadas pelo aumento das demandas metabólicas ou ingestão insuficiente de nutrientes em crianças com paralisia cerebral. 
  2. Melhor absorção de nutrientes: fórmulas enterais são frequentemente mais fáceis de digerir e absorver, especialmente para crianças com paralisia cerebral que podem ter dificuldades de deglutição ou ter função digestiva prejudicada. 
  3. Promoção do crescimento e desenvolvimento: fórmulas de alto teor calórico são ricas em nutrientes vitais, como proteínas, gorduras e vitaminas, todos cruciais para o crescimento normal. O estado nutricional melhorado por meio dessas fórmulas pode contribuir diretamente para aumentos de altura e peso.

Ademais, também houve melhora na função motora bruta no grupo nutrientes. Segundo os autores, fórmulas com alto teor de proteínas e calorias corrigem efetivamente a ingestão nutricional e o equilíbrio de nitrogênio, promovendo o crescimento muscular. 

Consequentemente, as crianças estavam mais bem equipadas fisicamente para participar e se beneficiar do treinamento de reabilitação, levando a melhorias significativas na função motora bruta.

Conclusão

Em resumo, fórmulas enterais de proteína integral ou peptídeo de alto teor calórico podem melhorar a desnutrição e promover o desenvolvimento da função motora grossa em crianças com paralisia cerebral, oferecendo mais benefícios do que intervenções dietéticas diárias gerais sozinhas. Além disso, possuem baixa incidência de efeitos adversos.

Para ler o artigo científico completo, clique aqui.

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Referência:

Cai X, Qin Y, Liu C, Xie L, Zhu J. High-calorie, whole protein/peptide nutritional formulations for children with cerebral palsy: a retrospective clinical study. Am J Transl Res. 2024 Jul 15;16(7):3171-3181. doi: 10.62347/BQPN6962. PMID: 39114733; PMCID: PMC11301499.

Pós-graduação de Nutrição Clínica

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