Eixo microbiota-intestino-cérebro: desvendando as barreiras gastrointestinais e cerebrais

Eixo microbiota-intestino-cérebro: desvendando as barreiras gastrointestinais e cerebrais

Eixo microbiota-intestino-cérebro
Fonte: Canva

 

Nos últimos anos, a ciência vem desvendando as funções dos trilhões de microrganismos que habitam o trato gastrointestinal, a chamada “microbiota intestinal”. 

Nesse sentido, o eixo microbiota-intestinal-cérebro ganhou atenção especial, por revelar o impacto significativo que os microrganismos intestinais exercem nas funções cerebrais. Entretanto, os canais de comunicação entre a microbiota intestinal e o cérebro ainda não são totalmente compreendidos. 

Em uma recente revisão publicada na revista Nature, os pesquisadores se dedicaram a elucidar esse complexo eixo, focando especialmente nas barreiras gastrointestinais e cerebrais que desempenham um papel crucial na sua interação. Além disso, os pesquisadores trouxeram luz à como essas barreiras podem ser a base da comorbidade em distúrbios neurológicos e gastrointestinais. 

A seguir, confira os principais insights revelados por essa pesquisa. 

Barreiras gastrointestinais 

A principal função das barreiras intestinais é separar o corpo do ambiente externo, mantendo a absorção de nutrientes e protegendo contra microrganismos patogênicos

A primeira camada de defesa no intestino é a mucosa intestinal. Ela impede que microrganismos intestinais entrem no hospedeiro, ao mesmo tempo em que permite uma interação simbiótica com alguns desses microrganismos. Além de estabelecer uma barreira física, as superfícies mucosas também constituem uma barreira imunológica.

Particularmente, a barreira de muco serve como fonte de nutrientes e nicho de colonização para a microbiota. Assim, quaisquer interrupções nesse delicado equilíbrio podem levar a infecções e contribuir para o início de respostas inflamatórias.

A barreira epitelial intestinal reside abaixo da camada de muco, e fornece uma barreira física e bioquímica semipermeável, permitindo a segregação física entre os micróbios intestinais e o hospedeiro.

Os enterócitos absortivos compreendem a maioria das células epiteliais intestinais. Contudo, os enterócitos adjacentes são conectados por junções estreitas e aderentes que limitam o transporte paracelular e, portanto, a permeabilidade intestinal.

Por fim, os autores detalham a barreira vascular intestinal, composta por um epitélio fenestrado semipermeável, também selado com complexos de junções estreitas e aderentes. A sua presença permite a exclusão ativa de microrganismos intestinais da circulação sistêmica e portal. 

A barreira vascular controla o acesso de microrganismos intestinais, substâncias derivadas de micróbios e compostos alimentares à circulação do hospedeiro, agindo como um ponto de verificação final.

Barreiras intestinais
Barreiras intestinais. Aburto & Cryan, 2024.

 

 

 

 

Barreiras cerebrais

As barreiras cerebrais são essenciais para proteger o cérebro e manter um ambiente interno estável. Para manter a homeostase cerebral, os fluidos intersticiais dentro do sistema nervoso central (SNC) são separados do ambiente sanguíneo em constante mudança, por duas principais barreiras: a barreira hematoencefálica e a barreira  sangue-líquido cefalorraquidiano.

A barreira hematoencefálica (BBB) controla a troca de substâncias entre o sangue e o sistema nervoso central (SNC), impedindo a entrada de patógenos, toxinas e células no cérebro. 

A estrutura da BBB é formada principalmente por células endoteliais ligadas por junções estreitas e aderentes, que limitam o transporte paracelular. Para superar essa natureza restritiva, transportadores específicos no endotélio cerebral garantem o fornecimento de nutrientes, hormônios e proteínas essenciais para o SNC.

Barreira hematoencefálica
Barreira hematoencefálica. Aburto & Cryan, 2024.

 

 

 

 

 

 

 

Em seguida, a barreira sangue-líquido cefalorraquidiano (BCSFB) está localizada no plexo coroide, que produz e regula o líquor cerebrospinal (LCR). 

Formada por células epiteliais do plexo coroide com junções apertadas, a BCSFB impede a passagem paracelular de substâncias do sangue para o LCR e, por consequência, para o parênquima cerebral. Esta barreira é vital para controlar a composição do LCR e proteger o cérebro contra variações indesejadas nas substâncias sanguíneas.

Além das células epiteliais presentes, o plexo coroide é composto por uma variedade de outros tipos de células. Uma descoberta marcante em modelos animais demonstrou que a vasculatura do plexo coroide constitui uma barreira vascular que é permissiva em condições fisiológicas normais, mas pode fechar em resposta a inflamação intestinal e inflamação sistêmica. Esta é chamada de “barreira vascular do plexo coroide”.

Barreira sangue-líquido cefalorraquidiano
Barreiras do plexo coroide. Aburto & Cryan, 2024.

 

 

 

 

 

 

 

Os autores ressaltam as várias semelhanças entre as barreiras cerebrais e intestinais, tanto no nível celular quanto no nível molecular, o que as torna passíveis de modulação por sinais comuns, incluindo aqueles derivados dos microrganismos intestinais.

As barreiras na comunicação da microbiota intestinal

A microbiota intestinal se comunica com o hospedeiro de muitas maneiras, e os fatores do hospedeiro também influenciam a composição e a função da microbiota intestinal. Essa comunicação bidirecional depende de diferentes canais, tais como:

  • Nervo vago
  • Sistema nervoso entérico
  • Sistema imunológico
  • Produtos do metabolismo microbiano
  • Componentes estruturais microbianos

A presença de barreiras no eixo microbiota-intestino-cérebro pode ser considerada outra via de comunicação. Isso porque:

  1. As barreiras mantêm a composição nos diferentes compartimentos ao longo do eixo;
  2. As barreiras são vitais para equilibrar a contenção de microrganismos dentro do intestino (incluindo microrganismos comensais e patogênicos) e a passagem de produtos microbianos;
  3. Metabólitos microbianos demonstraram modular diretamente as várias funções de barreira ao longo do eixo.

Em relação aos metabólitos microbianos, os ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs) demonstraram extensivamente modular a barreira epitelial intestinal, bem como a BBB e o BCSFB. Segundo os pesquisadores, essa ação pode estar no cerne de associações relatadas anteriormente entre os AGCCs (especialmente o butirato) e distúrbios cerebrais, como depressão.

Disfunções das barreiras em doenças 

O mau funcionamento das barreiras intestinais e cerebrais tem sido amplamente reconhecido como um fator influente no desenvolvimento de distúrbios intestinais e neurológicos, embora a maioria das informações ainda esteja no nível pré-clínico.

Nesse sentido, as alterações na microbiota intestinal podem contribuir para a ruptura da barreira em vários níveis. Exemplos:

  1. Níveis reduzidos de AGCCs pode afetar a função da barreira intestinal e cerebral; 
  2. Barreiras disfuncionais intestinais lideradas pela microbiota (barreiras epiteliais e/ou vasculares) podem se tornar mais permissivas a produtos derivados de micróbios, que podem atingir e alterar as barreiras cerebrais; 
  3. Alterações na microbiota intestinal poderiam influenciar a função da barreira por meio da modulação dos sinais neuroimunes intestinais e cerebrais.

Dentre os distúrbios já associados com disfunções das barreiras intestinais e cerebrais, alguns deles são:

  • Doença celíaca
  • Transtorno do Espectro Austista (TEA)
  • Doença de Parkinson (DP)

Por exemplo, na Doença de Parkinson, a disfunção da barreira intestinal pode facilitar a translocação de patógenos para o sistema nervoso central, contribuindo para o progresso da doença. 

Da mesma forma, no Transtorno do Espectro Autista (TEA), alterações na microbiota intestinal e na integridade da barreira podem influenciar o desenvolvimento de sintomas neuropsiquiátricos, refletindo a complexa interação entre as barreiras intestinais e cerebrais.

Conclusão

Em resumo, as barreiras gastrointestinais e cerebrais são estruturas dinâmicas e adaptativas que parecem ser aspectos-chave da comunicação do eixo microbiota-intestino-cérebro.

A disfunção dessas barreiras pode interromper a comunicação essencial ao longo do eixo microbiota-intestino-cérebro, contribuindo para comorbidades gastrointestinais e neurológicas.

Apesar dos avanços, ainda há muito a descobrir sobre como os sinais microbianos influenciam especificamente cada tipo de barreira e suas interações. Segundo os cientistas,  a exploração deste eixo é um campo em evolução, e a jornada para entender completamente essas interações está longe de terminar.

Para ler o artigo científico completo, clique aqui.

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Referência:

Aburto, M.R., Cryan, J.F. Gastrointestinal and brain barriers: unlocking gates of communication across the microbiota–gut–brain axis. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 21, 222–247 (2024). https://doi.org/10.1038/s41575-023-00890-0

Pós-graduação de Nutrição Clínica

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