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Sabemos que uma alimentação saudável na infância é crucial para proteger a saúde das crianças. Entretanto, pesquisas recentes reiteram que a nutrição no início da vida – principalmente até os dois anos de idade, nos primeiros 1000 dias – também tem consequências de longo prazo, influenciando a saúde na fase adulta.
Em um recente estudo, os autores buscaram reunir evidências de como doenças crônicas e desfechos desfavoráveis na vida adulta podem ser atribuídos à nutrição precoce insuficiente. A seguir, confira as principais descobertas.
Obesidade e síndrome metabólica
A prevalência da obesidade infantil aumentou drasticamente nas últimas três décadas em todo o mundo, com o impacto mais devastador em países de baixa e média renda, onde a desnutrição e a obesidade coexistem.
A obesidade é um mecanismo fisiopatológico primário no desenvolvimento da síndrome metabólica (SM), um conjunto de fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV) que inclui dislipidemia, hipertensão e resistência à insulina.
Para a maioria dos adultos, a obesidade começa na infância, ou seja, a obesidade infantil se estende até a vida adulta. Os padrões alimentares de mães e crianças durante os primeiros 1000 dias de vida têm o potencial de influenciar a probabilidade de desenvolver sobrepeso/obesidade ou síndrome metabólica nos anos que se seguem.
Sendo assim, a implementação de estratégias preventivas contra a obesidade e a síndrome metabólica deve começar desde a concepção até o segundo ano de vida.
O principal fator preventivo contra a obesidade infantil é a amamentação exclusiva durante os primeiros anos de vida. Portanto, o aleitamento materno deve ser incentivado.
Por outro lado, os principais fatores de risco são:
- IMC pré-gestacional alto
- Desnutrição intra-uterina
- Aumento excessivo do ganho de peso gestacional
- Alimentação com fórmula nos primeiros anos de vida
- Introdução de refeições sólidas antes dos quatro meses de idade
Mães e crianças com estas condições devem ter um acompanhamento regular para evitar que a obesidade infantil e a síndrome metabólica se desenvolvam.
Diabetes tipo 2
Embora a fisiopatologia do diabetes não seja totalmente compreendida, acredita-se amplamente que os genes e o estilo de vida são os principais fatores de risco para o diabetes. Há evidências crescentes de que a nutrição no início da vida pode desempenhar um papel importante na suscetibilidade ao diabetes na idade adulta.
Durante a restrição alimentar, o feto em crescimento desenvolve uma variedade de estratégias para aumentar suas chances de sobrevivência pós-natal. Essas adaptações incluem priorizar o crescimento do cérebro em detrimento de outros tecidos do corpo, como o pâncreas endócrino.
Outra adaptação é treinar o metabolismo de forma que ele promova o armazenamento de nutrientes quando eles estiverem disponíveis. Esse fenômeno perturba o processo estabelecido de distribuição de gordura fetal e, e promove o acúmulo de gordura visceral. Por sua vez, este acúmulo contribui para diversas alterações metabólicas, incluindo a resistência à insulina.
Um estudo revelou que adultos com menor peso ao nascer podem ter 6 vezes mais probabilidade de desenvolver diabetes tipo 2 ou tolerância à glicose prejudicada.
Nesse cenário, a amamentação também entra como um fator protetor. Bebês alimentados com fórmula têm maior probabilidade de apresentar crescimento de recuperação rápido. Entretanto, o desenvolvimento precoce acelerado também é um fator de risco para diabetes.
Doenças cardiovasculares
O baixo peso ao nascer (BPN), reflexo da restrição do crescimento intrauterino, é reconhecido como um fator de risco independente para doenças cardiovasculares na vida adulta. O BPN se associa ao aumento da mortalidade por doença coronariana e a um maior risco de hipertensão.
Comer demais durante a gravidez, causando ganho excessivo de peso no feto, também está associado a doenças cardiovasculares no futuro.
Novamente, a amamentação surge como um fator protetor, associada à redução da pressão arterial aos 3 anos de idade, com prováveis repercussões na vida adulta.
Ademais, a dieta da mãe durante a gestação também influencia o risco de DCV. É bem sabido que os hábitos alimentares são estabelecidos na infância e que são difíceis de mudar ao longo da vida. Estudos recentes mostram que os alimentos consumidos pela mãe durante a gravidez influenciam o paladar do bebê após o nascimento
Nesse sentido, a quantidade de sódio na dieta de uma criança nos primeiros 6 meses de vida pode ter um impacto nos resultados de saúde cardiovascular mais tarde na vida, e o leite humano pode prevenir esses efeitos. Além disso, há vantagens também para a mãe que amamenta, pois o risco de DCV diminui significativamente.
Afinal, o que podemos concluir?
Como visto, a alimentação nos primeiros 1000 dias de vida é uma chave poderosa para a saúde futura. Nesse período, o que a criança e a mãe consomem pode moldar o risco de doenças crônicas, como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, ao longo da vida.
A amamentação exclusiva, uma dieta saudável e o controle do peso materno e infantil não são apenas ações preventivas, mas um investimento no bem-estar da criança em seu futuro.
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Referência:
Alves JGB, Alves LV. Early-life nutrition and adult-life outcomes. J Pediatr (Rio J). 2024 Mar-Apr;100 Suppl 1(Suppl 1):S4-S9. doi: 10.1016/j.jped.2023.08.007. Epub 2023 Oct 6. PMID: 37813343; PMCID: PMC10960187.