
O microbioma intestinal é “altamente pessoal”. Sabemos que a dieta exerce uma influência fundamental em sua composição e metabolismo. No entanto, uma dúvida ainda persiste: por que o microbioma varia tanto, inclusive entre indivíduos com dietas idênticas?
Um estudo recente sugere que a resposta reside na fisiologia e no ambiente intestinal, fatores que, até então, permaneciam pouco estudados como determinantes primários da variação do microbioma.
A seguir, confira os detalhes desta pesquisa inovadora.
61 participantes saudáveis
Neste estudo observacional, pesquisadores recrutaram 61 participantes saudáveis, que mantiveram seu estilo de vida e dieta habitual por 9 dias consecutivos.
A pesquisa incluiu duas visitas (dia 2 e dia 9). Na primeira visita, os participantes receberam um café da manhã que representava 25% de suas necessidades energéticas para fornecer uma refeição padronizada antes que um subconjunto dos voluntários (n = 50) ingerisse uma cápsula de motilidade sem fio para medir o tempo de trânsito intestinal total e segmentar e o pH.
Os participantes registraram diariamente seus hábitos alimentares de 24 horas (dias 1 a 8)
Por fim, a composição do microbioma intestinal foi obtida por meio do sequenciamento do gene do RNA ribossômico (rRNA) 16S de um subconjunto de amostras fecais, com avaliação dos perfis de microbioma relativo (RMPs) e os perfis de microbioma quantitativo (QMPs) após ajuste para a carga microbiana.
A variação diária do microbioma
Os autores observaram que tanto o microbioma quanto o metabolismo microbiano dos participantes apresentavam flutuações diárias substanciais.
Curiosamente, a variação na ingestão diária de macronutrientes (carboidratos, proteínas, gorduras) ou fibras não explicou as flutuações intra-individuais do microbioma ou dos metabolomas (o conjunto de metabólitos).
Em contraste, as variações diárias foram significativamente associadas a mudanças nos fatores ambientais do intestino, em particular:
- Umidade das fezes;
- pH fecal.
Na prática, estes fatores são proxies (indicadores indiretos) para o tempo de trânsito intestinal, sugerindo que a velocidade com que o alimento e o conteúdo passam pelo cólon é um dos principais motores das alterações diárias do microbioma.
Até mesmo pequenas mudanças no pH colônico ou no teor de água intestinal demonstraram associação com o metabolismo do hospedeiro e da microbiota.
A individualidade explicada pelo trânsito e pH segmentar
Embora as variações diárias fossem explicadas por indicadores indiretos do trânsito, a diferença fundamental entre os indivíduos (variação inter-individual) foi explicada por medidas diretas da fisiologia: o tempo de trânsito do trato gastrointestinal total – TTG e o tempo de trânsito colônico segmentar (TTC), bem como o pH intestinal segmentar.
O tempo de trânsito colônico médio (TTC) dos participantes foi de 13,6 horas, enquanto o tempo total (TTG) foi de 23,3 horas. Foi demonstrado que o pH do cólon distal e a umidade das fezes foram fatores-chave para explicar a variação inter-individual do microbioma.
O estudo também revelou que mulheres apresentaram um TTC significativamente mais longo em comparação com os homens.
A fisiologia define o tipo de metabolismo microbiano
O achado mais crucial para a saúde e nutrição diz respeito à relação entre a velocidade do trânsito e os produtos metabólicos (metabólitos) gerados pela microbiota:
| Velocidade do trânsito | Metabolismo predominante | Metabólitos (exemplos) | Implicação |
| Mais lento (trânsito longo) | Degradação de proteínas (proteólise) | Metabólitos proteolíticos: ácidos graxos de cadeia ramificada (AGCRs), p-cresol, indole. | Associados a processos potencialmente prejudiciais, como a uremia e aumento de metano na respiração. |
| Mais rápido (trânsito curto) | Fermentação de carboidratos (sacarólise) | Ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs): butirato, propionato, acetato. | Geralmente considerados benéficos para a saúde intestinal e metabólica. |
O estudo mostrou que metabólitos derivados da fermentação de carboidratos (como os AGCCs) se correlacionaram negativamente com o tempo de passagem e o pH intestinal, enquanto os metabólitos proteolíticos (e o metano na respiração) mostraram uma correlação positiva.
Em outras palavras, quanto mais rápido o trânsito, maior a produção de AGCCs benéficos.
O que podemos concluir?
Em resumo, o tempo de trânsito intestinal e o pH são determinantes importantes da composição e do metabolismo da microbiota intestinal.
O estudo demonstrou uma variação substancial no tempo de trânsito intestinal total e segmentar, juntamente com o pH luminal, entre indivíduos saudáveis. Essas variações explicaram as diferenças na composição do microbioma e no co-metabolismo hospedeiro-microbiota.
Assim, a pesquisa enfatizou a importância de considerar a fisiologia e o ambiente intestinal para entender verdadeiramente a “assinatura” microbiana de um paciente, e para a distinção das respostas individuais a alimentos e outros fatores do estilo de vida.
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Referência:
Procházková, N., Laursen, M.F., La Barbera, G. et al. Gut physiology and environment explain variations in human gut microbiome composition and metabolism. Nat Microbiol 9, 3210–3225 (2024). https://doi.org/10.1038/s41564-024-01856-x



