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A cetoacidose diabética (CAD) é uma emergência médica com risco de vida, e resulta da falta de insulina ou resistência à insulina, que leva ao aumento dos níveis de hormônios contrarreguladores, como glucagon, cortisol e catecolaminas, e hiperglicemia (glicose > 250 mg/dl).
Além da hiperglicemia, a produção de cetonas e a acidose metabólica fazem parte da tríade da CAD, gerando anormalidades metabólicas graves. Nesse sentido, desequilíbrios eletrolíticos de potássio, fosfato e magnésio são comuns e podem ser fatais.
O manejo geral da CAD em pacientes críticos inclui a correção da desidratação, anormalidades eletrolíticas, acidose metabólica e cetose com reposição de fluidos intravenosos, reposição de insulina, suporte hemodinâmico e manejo das vias aéreas.
Uma recente revisão buscou discutir os desafios e as controvérsias para o manejo de pacientes graves com CAD em UTIs. Confira os achados a seguir.
CAD vs. estado de hiperglicemia hiperosmolar
Em primeiro lugar, os autores destacam as diferenciações da cetoacidose diabética e o estado de hiperglicemia hiperosmolar.
A CAD é mais comum em indivíduos com diabetes tipo 1, em que há deficiência absoluta de insulina. Já o estado de hiperglicemia hiperosmolar (EHH) costuma ocorrer em pacientes com diabetes tipo 2, caracterizando-se por uma redução da eficácia da insulina.
Na prática, a CAD envolve hiperglicemia, acidose metabólica e cetose; o EHH apresenta hiperglicemia mais acentuada, sem acidose significativa e com menor produção de corpos cetônicos.
Apesar das diferenças, cerca de 30% dos pacientes com CAD podem apresentar glicemias superiores a 600 mg/dL, configurando quadros de sobreposição entre CAD e EHH.
As tabelas abaixo ilustram as diferenças entre as duas.
Parâmetros | Cetoacidose Diabética Leve | Cetoacidose Diabética Moderada | Cetoacidose Diabética Grave | Estado Hiperglicêmico Hiperosmolar |
Glicose (mg/dl) | > 250 | > 250 | > 250 | > 600 |
pH | 7,25–7,30 | 7,00–7,24 | < 7,00 | > 7,30 |
Bicarbonato (mEq/L) | 15–18 | 10–15 | < 10 | > 18 |
Cetonas na urina | Positivas | Positivas | Positivas | Pequena quantidade ou ausentes |
Cetonas no soro | Positivas | Positivas | Positivas | Pequena quantidade ou ausentes |
Beta-hidroxibutirato (mOsm/kg) | 3–4 | 4–8 | > 8 | < 0,6 |
Osmolalidade | Variável | Variável | Variável | > 320 |
Gap aniônico | > 10 | > 12 | > 12 | Variável |
Estado neurológico | Alerta | Alerta/Sonolento | Estupor/Coma | Estupor/Coma |
Parâmetro em déficits | CDA Leve/Moderada/Grave | EHH |
Água (litros) | 6 | 9 |
Água (ml/kg) | 100 | 100–200 |
Sódio (mEq/kg) | 7–10 | 5–13 |
Potássio (mEq/kg) | 3–5 | 4–6 |
Fósforo (mmol/kg) | 5–7 | 3–7 |
Cloreto (mEq/kg) | 3–5 | 5–15 |
Cetoacidose diabética: principais desafios e recomendações
Fluidos intravenosos
Pacientes com CAD chegam à UTI hipovolêmicos e hiper-osmolares. O soro fisiológico a 0,9 % ainda é o mais usado, mas cristaloides balanceados podem acelerar a correção da acidose sem elevar o risco de hiperpotassemia.
As recomendações são:
- Monitorar frequência cardíaca, pressão e débito urinário.
- Iniciar solução com 15–20 mL/kg na primeira hora.
- Quando glicemia cai abaixo de 200 mg/dL, incluir dextrose para manter a infusão de insulina.
Terapia insulínica
Após a ressuscitação volêmica e correção do potássio, parte‑se para a infusão contínua de insulina (0,14 U/kg/h). Atualmente, o bolo inicial (0,1 U/kg) caiu em descrédito e hoje busca‑se manter uma redução de glicemia de 50–70 mg/dL por hora, e adicionar glicose IV (D5) quando glicemia < 200–250 mg/dL.
Estudos recentes sugerem que, em concomitância com infusão contínua, a introdução precoce de insulina basal (glargina 0,3 U/kg nas primeiras 3 h) reduz tempo de resolução da CAD (9,9 h vs. 12,7 h) e permanência hospitalar (4,8 vs. 15,3 dias) sem elevar eventos adversos.
Reposição eletrolítica
O tratamento costuma mascarar perdas significativas de sódio, potássio, fósforo e magnésio.
- Sódio: corrige‑se a hiper‑osmolaridade sem acelerar demais para evitar edema cerebral.
- Potássio: só iniciar se ≥ 3,3 mEq/L; suspender insulina se cair abaixo desse limiar.
- Fósforo e magnésio: repor apenas se houver níveis perigosamente baixos ou sintomas claros.
Edema cerebral
Mesmo raro em adultos, o edema cerebral é o desfecho mais temido da CAD.
Fatores de risco incluem correção rápida de glicemia e hiponatremia, primeira crise de CAD, acidoses graves e uso de bicarbonato.
O monitoramento neurológico frequente (primeiras 12 h) e a redução gradual da glicemia (< 50–75 mg/dL/h) são fundamentais para minimizar esse risco.
Uso de bicarbonato de sódio
É contraindicado na maioria dos casos, pois pode piorar a acidose e o risco de edema.
Só deve ser considerado se o pH arterial ficar abaixo de 6,9, em hipercalemia grave ou antes de intubações urgentes em pH < 7,2.
Início da nutrição
O atraso tradicional até a resolução da acidose vem sendo desafiado por estudos que mostram segurança e redução do tempo de UTI ao iniciar a nutrição enteral já nas primeiras 24 h, sem aumentar mortalidade ou recidiva de CAD.
Manejo das vias aéreas
Pacientes com CAD apresentam demanda ventilatória elevada e estão vulneráveis à falência respiratória.
A intubação deve ser planejada cuidadosamente, preferindo sequência rápida com succinilcolina (se potássio < 5,5 mEq/L) ou rocurônio. Após entubação, ventilação protetora com volumes de 6–8 mL/kg e monitorização de CO₂ são essenciais.
Conclusão
Como visto, o manejo da CAD na UTI exige equilíbrio entre rapidez e cautela. Reposição volêmica precisa, infusão insulínica bem conduzida, correção eletrolítica criteriosa e vigilância para edema cerebral são os principais pilares.
A adoção de soluções balanceadas, o uso precoce de insulina basal e a nutrição precoce oferecem caminhos para otimizar a recuperação, mas devem sempre considerar o perfil individual de cada paciente.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
Se você gostou deste artigo, leia também:
- JCEM – Gerenciamento de Hiperglicemia em Pacientes Adultos Hospitalizados
- Padrões de cuidados em diabetes: diretrizes ADA atualizadas
- JBDS-IP – Manejo de cetoacidose diabética em adultos
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Referência:
Dunn BK, Coore H, Bongu N, Brewer KL, Kumar D, Malur A, Alkhalisy H. Treatment Challenges and Controversies in the Management of Critically Ill Diabetic Ketoacidosis (DKA) Patients in Intensive Care Units. Cureus. 2024 Sep 6;16(9):e68785. doi: 10.7759/cureus.68785. PMID: 39360087; PMCID: PMC11446492.