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O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por desafios na comunicação social, interações limitadas e a presença de comportamentos repetitivos e restritos (RRBs). Além dos sintomas neurológicos e comportamentais, a população pediátrica com TEA frequentemente apresenta comorbidades físicas que afetam drasticamente sua qualidade de vida.
Crianças com TEA têm mais chances de apresentar problemas de alimentação, incluindo seletividade, recusa e neofobia alimentar, alimentação ritualizada, e comportamentos disruptivos na hora das refeições.
Dentre os potenciais mecanismos subjacentes aos problemas de alimentação, estão os sintomas gastrointestinais no TEA. Queixas como constipação, diarreia e dor abdominal são comuns e geram grande desconforto.
Uma recente investigação buscou entender a ingestão alimentar e os sintomas gastrointestinais em crianças no TEA. Confira os achados a seguir.
Cientistas acompanharam 121 crianças no espectro autista
Neste estudo de caso-controle chinês, os autores investigaram a alimentação e os sintomas gastrointestinais de 242 crianças entre 2 a 10 anos. Destas, 121 possuíam o transtorno do espectro autista.
O objetivos da pesquisa foram:
- Comparar as diferenças na ingestão alimentar e nos sintomas gastrointestinais entre crianças com ou sem TEA;
- Quantificar as contribuições relativas das características relacionadas ao autismo para a ingestão alimentar e as contribuições relativas das características relacionadas ao autismo e da ingestão alimentar para os sintomas gastrointestinais em crianças com TEA.
Os pais foram solicitados a preencher um questionário de frequência alimentar (QFA) validado de 7 dias sobre a frequência de consumo de seus filhos. O QFA consistiu em listas de alimentos, incluindo cereais/batatas, vegetais, frutas, carne bovina/aves, peixe/camarão, ovos, soja, laticínios e água potável.
Os indicadores de ingestão alimentar incluíram a ingestão de grupos alimentares, a variedade de alimentos e a qualidade da dieta.
Uma versão abreviada do questionário Índice de Gravidade Gastrointestinal (6-GSI) foi projetada para avaliar a gravidade dos sintomas gastrointestinais. O 6-GSI é composto por seis sintomas, incluindo constipação, diarreia, consistência das fezes, odor das fezes, flatulência e dor abdominal.
A Escala de Avaliação do Autismo Infantil (CARS) foi aplicada para distinguir entre TEA leve a moderado e grave. Também aplicou-se a Escala de Comportamentos Repetitivos Revisada (RBS-R, para capturar a amplitude dos comportamentos repetitivos restritos.
As demais ferramentas aplicadas foram o perfil sensorial curto (PEB) e o Brief Autism Mealtime Behavior Inventory (BAMBI).
O elo entre os traços de TEA, dieta e sintomas gastrointestinais
Os pesquisadores confirmaram o que a prática clínica já indica: crianças com TEA apresentaram dietas mais pobres, com menor consumo de frutas e vegetais, menos variedade de alimentos e um grau mais elevado de ingestão inadequada ou desbalanceada. Além disso, apresentaram sintomas TGI mais graves (especialmente a constipação) em comparação com as crianças neurotípicas.
O achado mais crucial, porém, está no mecanismo. Traços específicos do TEA foram os principais fatores que levaram à má qualidade da dieta. Por exemplo:
- O comportamento compulsivo foi associado à menor ingestão diária de vegetais.
- A sensibilidade ao paladar/olfato foi associada à menor ingestão diária de frutas.
- O comportamento autolesivo foi associado a uma menor variedade de alimentos.
- A gravidade dos sintomas do TEA e a variedade limitada nos comportamentos de refeição foram os maiores contribuintes para a ingestão alimentar desbalanceada.
Além disso, a dieta desbalanceada levou aos sintomas gastrointestinais. A ingestão alimentar desequilibrada foi um fator independente significativo associado à constipação e às pontuações totais de sintomas TGI.
Os traços ligados ao autismo, sozinhos, não manifestaram contribuições diretas para os problemas gastrointestinais, mas o fizeram indiretamente, ao causar o desequilíbrio dietético.
Em resumo, os traços do TEA causam uma dieta nutricionalmente desbalanceada, e é essa dieta desbalanceada que é o preditor mais importante dos sintomas TGI.
Os autores especularam que a dieta desequilibrada pode contribuir para estes sintomas por meio de alterações no microbioma e na permeabilidade intestinal. Estudos futuros devem integrar análises do microbioma e do metaboloma para investigar esses potenciais mecanismos no TEA.
O que podemos concluir?
Os resultados reforçam que a compreensão dos sintomas gastrointestinais no TEA deve ir além do trato digestivo. Traços comportamentais e sensoriais influenciam diretamente a qualidade da dieta, e, indiretamente, o aparecimento desses sintomas.
Assim, intervenções precoces voltadas ao comportamento alimentar e ao equilíbrio nutricional podem representar uma via promissora para melhorar o bem-estar e a saúde intestinal de crianças com TEA.
Para ler o artigo científico completo, clique aqui.
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