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A quimioterapia é uma das modalidades terapêuticas mais utilizadas em pacientes oncológicos. Apesar da grande eficácia, apresenta também uma taxa considerável de efeitos colaterais, como a disgeusia.
Estima-se que 50% a 75% dos pacientes sob tratamento quimioterápico apresentam disgeusia, que nada mais é do que uma sensação de paladar distorcido, metálico ou desagradável. Contudo, a disgeusia não vem sozinha: ela também diminui a ingestão alimentar, e pode se associar a outros efeitos adversos.
Um novo estudo buscou avaliar a incidência e a associação entre a disgeusia e os efeitos adversos da terapia antineoplásica. Confira os resultados a seguir.
Mais de 5 mil pacientes oncológicos participaram da pesquisa
Neste recente estudo observacional, retrospectivo, transversal e quantitativo, reuniu-se dados de 5.744 pacientes do Instituto do Câncer do Ceará, ao longo de dois anos.
Antes de cada sessão de quimioterapia, a equipe multiprofissional avaliava o paciente quanto à presença e gravidade dos efeitos adversos, utilizando escores da escala Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) v5.0.
Os efeitos adversos, incluindo a disgeusia, eram avaliados em graus, como descrito na tabela abaixo.
Grau 0 | Grau 1 | Grau 2 | Grau 3 | Grau 4 | Grau 5 | |
Disgeusia | Nenhuma alteração no paladar | Alteração no paladar sem impacto nos hábitos alimentares | Alteração no paladar com impacto nos hábitos alimentares | – | – | – |
Náusea | Sem náusea | Perda de apetite sem alteração nos hábitos alimentares | Ingestão oral diminuída sem perda de peso significativa, desidratação ou desnutrição | Ingestão inadequada de líquidos ou calorias, com uso de sondas alimentares ou hospitalização | – | – |
Diarreia | Sem aumento no número de evacuações | Aumento de <4 evacuações por dia acima do basal | Aumento de 4 a 6 evacuações por dia acima do basal | Aumento de ≥ 7 evacuações por dia acima do basal | Risco de vida, exigindo intervenção de emergência | Morte |
Mucosite oral | Sem mucosite oral | Sintomas ausentes ou leves, sem necessidade de intervenção | Dor moderada ou úlcera, mas não interfere na ingestão oral | Dor severa, interferindo na ingestão oral | Risco de vida, exigindo intervenção de emergência | Morte |
Anorexia | Sem perda de apetite ou alteração nos hábitos alimentares | Perda de apetite sem alteração nos hábitos alimentares | Ingestão oral alterada, mas sem perda de peso significativa ou desnutrição, exigindo suplementação | Perda de peso significativa ou desnutrição, exigindo sondas alimentares ou nutrição parenteral total | Risco de vida, exigindo intervenção de emergência | Morte |
Constipação | Sem constipação | Sintomas ocasionais ou intermitentes, com o uso de amaciantes de fezes, laxantes, modificação dietética ou enema | Sintomas persistentes, com uso regular de laxantes ou enemas | Constipação com indicação de evacuação manual, limitando as atividades da vida diária de autocuidado | Risco de vida, exigindo intervenção de emergência | Morte |
Vômito | Sem vômito | Sem necessidade de intervenção | Hidratação IV ambulatorial, exigindo intervenção médica | Uso de sondas alimentares, NPT ou hospitalização | Risco de vida | Morte |
Para análise estatística, os autores utilizaram os testes de qui-quadrado e log-rank de Mantel-Cox.
Consequências da disgeusia: maior risco de morte e associação à outros efeitos adversos
Dos 5.744 pacientes envolvidos, 2.907 (50,6%) experimentaram disgeusia, sendo 31,5% disgeusia grau I, e 19,1% disgeusia grau II.
Como principal achado da pesquisa, os autores identificaram que a presença de disgeusia foi associada a vários efeitos adversos no trato gastrointestinal, incluindo diarreia, anorexia, mucosite, náusea, constipação e vômito.
De fato, todo o epitélio gastrointestinal é rico em células de divisão rápida, que são o principal alvo dos medicamentos quimioterápicos.
O estresse oxidativo induzido por esses agentes resulta alterações na excitabilidade neuronal, levando a aversões alimentares (papilas gustativas), aumento da motilidade gastrointestinal (diarreia, náusea e vômito) e desregulação imune inflamatória (mucosite oral).
Todos estes sintomas estão associados à menor ingestão de alimentos e déficit nutricional em pacientes com câncer. Nesse sentido, a desnutrição e a caquexia são comuns.
Portanto, não é de se surpreender que a disgeusia foi relacionada à menor sobrevida global. Dos 5.744 pacientes, 613 (10,7%) morreram nos primeiros três anos de tratamento, e essa variável foi diretamente associada à disgeusia de grau II.
A presença de disgeusia aumentou o risco de morte em 8,07% dentro de três anos do início da quimioterapia.
Conclusão
Em resumo, a pesquisa mostrou que a disgeusia durante a quimioterapia antineoplásica está associada ao aumento de efeitos adversos graves no trato gastrointestinal e ao risco de morte.
Segundo os autores, é essencial o desenvolvimento de estudos que indiquem formas de minimizar a sua incidência.
Para ler o artigo completo, clique aqui.
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Referência:
Silva PG, Barreto GA, Carlos AC, Borges MM, Malta CE, Barbosa JV, Crispim AA, Juaçaba SF, Gonzaga-Silva LF. Dysgeusia increases the risk for death and other side effects during antineoplastic systemic treatment for solid tumors: a cross-sectional study. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2024 Apr 14;29(3):e398–407. doi: 10.4317/medoral.26389. Epub ahead of print. PMID: 38615256; PMCID: PMC11175576.