Má absorção de gordura no câncer de pâncreas: fisiopatologia e manejo

Má absorção de gordura no câncer de pâncreas: fisiopatologia e manejo

câncer de pâncreas
Fonte: Canva.com

O câncer de pâncreas, especificamente o adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC), é a 12ª doença maligna mais comum, e a 7ª principal causa de mortalidade por câncer. Essa condição traz consigo uma série de desafios, incluindo a insuficiência pancreática exócrina (IPE). 

A IPE pode resultar em sérias repercussões nutricionais para os pacientes oncológicos, como a má absorção de gorduras, que pode levar à piora do estado nutricional e outros desfechos clínicos negativos.

No artigo de hoje, você irá entender quais são os mecanismos envolvidos e o tratamento  da má absorção de gordura no câncer pancreático, com base em uma revisão científica publicada recentemente. Confira a seguir.

Má absorção de gorduras no câncer de pâncreas: por que acontece?

No organismo, a digestão da gordura depende quase exclusivamente da produção de enzimas pancreáticas. 

Na presença da insuficiência pancreática exócrina (IPE), complicação comum no câncer pancreático, há uma diminuição na produção de enzimas digestivas pelo pâncreas. Assim, a digestão e absorção de gorduras fica comprometida.

À medida que a IPE progride, outros processos contribuem ainda mais para este cenário. São eles:

1) Obstrução do ducto pancreático: O crescimento do tumor pode levar à obstrução do ducto pancreático, interferindo no fluxo normal de enzimas digestivas para o intestino delgado. Isso resulta em uma redução na disponibilidade de lipase pancreática, dificultando ainda mais a digestão e absorção de gorduras.

2) Alterações no pH intestinal: à medida que a função exócrina do pâncreas diminui, há uma redução na produção de bicarbonato, necessário para neutralizar o pH ácido do quimo gástrico quando ele entra no intestino delgado. Isso cria um ambiente intestinal mais ácido, que pode inibir a atividade das enzimas pancreáticas.

3) Desbalanço na emulsificação de gorduras: os sais biliares são essenciais para emulsionar as gorduras dietéticas e aumentar a área de superfície disponível para a ação das enzimas digestivas. No entanto, no contexto do câncer de pâncreas, a produção ou liberação adequada de sais biliares pode ser comprometida, dificultando a emulsificação eficaz das gorduras e, consequentemente, sua digestão e absorção.

4) Alterações na motilidade gastrointestinal: o câncer de pâncreas pode afetar a motilidade gastrointestinal, resultando em um trânsito intestinal acelerado. Isso reduz o  contato com a mucosa intestinal e o tempo disponível para a digestão e absorção adequada.

Como diagnosticar a insuficiência pancreática exócrina?

Sintomas da má absorção de gordura causada pela IPE incluem:

  • Fezes fétidas 
  • Frequência anormal de fezes
  • Flutelência ou inchaço
  • Deficiências de vitaminas lipossolúveis
  • Esteatorreia

Entretanto, os sintomas clínicos desta condição podem ser inespecíficos, o que levou ao desenvolvimento de uma variedade de testes diagnósticos para identificá-la e quantificá-la. 

Os testes mais utilizados para o diagnóstico incluem a elastase fecal (FE-1) e o coeficiente de absorção de gordura (CFA). O FE-1 fornece uma avaliação indireta da produção de enzimas pancreáticas, mas não é capaz de avaliar a presença ou gravidade da má absorção de gordura. 

Já o CFA compara a quantidade de gordura excretada nas fezes com a quantidade de gordura ingerida por via oral. O teor de gordura nas fezes >7 g/dia corresponde a um CFA <93%, e é considerado diagnóstico de IPE em pacientes com doença pancreática.

Tratamento nutricional

Estratégias dietéticas e intervenções nutricionais são fundamentais para reverter o quadro de má absorção de gorduras no câncer de pâncreas. A tabela abaixo reúne as principais estratégias nutricionais com este objetivo.

Tratamento nutricional Orientações Considerações
Refeições pequenas e mais frequentes Dividir as necessidades de gordura da dieta em 6 ou mais pequenas refeições ou lanches, atendendo às necessidades de calorias
  • Pequenas refeições melhoram o contato com as enzimas digestivas, aumentando ainda mais a incorporação da gordura dietética na micela
  • Essa estratégia é superior à restrição de gordura, que pode agravar a perda de peso e a desnutrição
Administração de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) Suplementos vitamínicos solúveis em gordura em altas doses na forma solúvel em água
  • A entrega é feita em micelas solúveis em água
  • Não requer enzimas biliares ou pancreáticas para absorção
  • Absorvido pela circulação do portal
Nutrição enteral Considerar fórmulas com maior proporção de TCM para TCL
  • Maior entrega de TCM pode melhorar a absorção de gordura e diminuir a esteatorreia
  • Gramas de TCM em produtos variam de acordo com a preparação da fórmula
  • Algumas fórmulas com quantidades aumentadas de TCM ainda podem ter muitos TCL para tolerância
Nutrição parenteral Raramente utilizado
  • Pode ser considerada após discussão multidisciplinar envolvendo a equipe de nutrição e a equipe de oncologia em situações em que a NE é contraindicada, bem como para tumores primários ressecáveis com desnutrição grave no momento do diagnóstico

Vale ressaltar que, mesmo com o tratamento nutricional, a terapia farmacológica continua sendo crucial, envolvendo principalmente a terapia de reposição enzimática pancreática. Outros medicamentos, como os antidiarreicos, também podem ser necessários.

Conclusão

Em resumo, a má absorção de gorduras é uma condição comum no câncer de pâncreas, e é muitas vezes ocasionada pela insuficiência pancreática exócrina.

Como este quadro prejudica a nutrição e os resultados dos pacientes, incluindo sua sobrevivência, deve-se monitorar de perto seus sinais e iniciar o tratamento prontamente, quando identificado.

Para ler o artigo científico completo, clique aqui.

Referência:

Murray, G., Ramsey, M. L., Hart, P. A., & Roberts, K. M. (2024). Fat malabsorption in pancreatic cancer: Pathophysiology and management. Nutrition in Clinical Practice, 39, S46-S56.

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